"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 23 de novembro de 2024

Ter paixão - Herberto Helder

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua
paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos no mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a
paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega
Herberto Hélder, A faca não corta o fogo


Herberto Helder nasceu a 23 de Novembro de 1930.



sexta-feira, 22 de novembro de 2024

The Lamb Lies Down on Broadway - 50 anos

Um dos discos da minha vida!

O auge do rock progressivo, em dose dupla, com camadas de criatividade e golpes de mestre.
Será o álbum mais teatral do grupo - a narração da história de autodescoberta de Rael - que precisa de ser ouvido como uma peça única e não como um conjunto de faixas independentes, com uma envolvência e composições poderosas. 

Por isso, a interpretação integral do disco nos seus concertos, com as músicas pela mesma ordem.
Se os Genesis já eram uma banda obrigatória de ver ao vivo, com a mega tournée deste álbum os seus concertos tornaram-se cada vez mais globais e aparatosos na concepção cénica, com luzes, projeções, máscaras, trajes e cenários exclusivamente desenhados para as músicas do álbum. 

Digo do que li, do que vi em fotografia, do que ouvi gravado e do que ouvi contar a quem assistiu aos concertos dados em Cascais, a 6 e 7 de Março de 75 (tenho o concerto gravado em cassette). Ainda fui considerado demasiado novo para me deixarem ir sozinho!... 

Vivia-se o período revolucionário - é mítica a presença de tanques e de militares de G3 (de que chegaram a fazer uso... sem vítimas! Os disparos foram para o ar). Steve Hackett, o guitarrista, que há uma semana deu um concerto no Campo Pequeno, disse que se recorda de explosões e dos disparos.  

Assisti, na Aula Magna, ao concerto dos The Musical Box, grupo canadiano que se dedica à recriação dos concertos dos Genesis - uma verdadeira recriação histórica, feita ao pormenor, com autorização dos Genesis, que colaboraram na concepção do espectáculo e... os elogiaram! 

Diz quem assistiu em 1975 que foi exactamente assim!

É incrível pensarmos que não existe uma gravação vídeo da digressão - não terá sido autorizada (e ainda não havia telemóveis!). 




The Lamb Lies Down on Broadway marca, também, o fim da melhor fase dos Genesis, um dos grupos mais emblemáticos do rock progressivo inglês.

Peter Gabriel anunciou o abandono da formação durante a digressão. Mais dois discos, ainda bons, e foi a saída de Steve Hackett.
A partir daí... plano descendente - irrelevância musical (por muito que possam ter vendido).

Muitas (e boas) memórias em cada audição deste disco...


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

25 de novembro - Resumo

«Os futuros compêndios de História poderão resumir o evento em escassas linhas: Após um Verão Quente de disputa entre forças revolucionárias e forças moderadas, pela ocupação do poder, civis e militares chegaram ao outono a contar espingardas. O confronto tantas vezes anunciado pareceu por fim inevitável, quando, na madrugada de 25 de Novembro, tropas pára-quedistas ocupam diversas bases aéreas, na expectativa de receber apoio do COPCON. Mas um grupo operacional de militares, chefiado por Ramalho Eanes, liquidou a revolta no ovo, substituindo o PREC (Processo Revolucionário em Curso) pelo “Processo Constitucional em Curso”»

Maria Manuela Cruzeiro, 25 de NOVEMBRO- QUANTOS GOLPES AFINAL?

Início da comunicação apresentada em 2005, no Colóquio sobre o 25 de Novembro, realizado no Museu da República e da Resistência (Lisboa)


Espere sentado... ou você se cansa

As putativas nomeações de Trump para a administração norte-americana variam entre a casa do Big Brother e o circo Cardinali.

Sem disfarces!

Aguardo que a União Europeia reconheça o isolamento a que a vota o "aliado" americano, sem as habituais pancadinhas nas costas, dos Democratas, e procure o seu caminho. 

Já está na altura de sair da casa dos papás, de ter uma vida própria (sem ilusões)!

Mas como isto está... 

as expectativas são baixas... muito baixas!...

Espero sentado...



quarta-feira, 20 de novembro de 2024

José Mário Branco - obra de interesse nacional

Cinco anos após a morte de José Mário Branco, um conjunto de cidadãos, maioritariamente com ligações à Música, entregou à Vice-Presidente da Assembleia da República a petição para que a obra de José Mário Branco seja considerada de interesse nacional.

A recolha de assinaturas continua.


25 de novembro - 49 anos

A sede de ir ao pote é tão grande, que a promoção da operação militar de 25 de novembro de 1975 a sessão solene evocativa anual na Assembleia da República nem esperou por um aniversário mais "redondo", como seriam os 50 anos. 

Quem assim quer comemorar o 25 de novembro quer fazê-lo por oposição ao 25 de Abril. 

E haverá quem ainda fique saudoso da comemoração do 28 de maio.

Se o 25 de Abril teve este ano mais pompa e circunstância pelo seu 50.º aniversário, era preciso, à nova maioria de direita, contrabalançar e aproveitar o contexto político favorável para apressar a sobreposição de uma nova data fundadora do regime. 

Aguardo por uma nova maioria de esquerda - um Presidente, uma Maioria, um Governo (que hoje parece longínqua!) - para ver se a recente decisão da Assembleia da República será revertida. Assim como assim, essa decisão teria o mesmo valor democrático que aquela que foi aprovada na actual conjuntura. 

Parto do princípio que cada um deve poder ter as posições políticas que entende, de que é legítimo assinalar datas históricas - e o 25 de novembro é-o, dentro da lógica de um processo histórico iniciado com o 25 de Abril e concluído, quiçá, com a aprovação da Constituição (2 de Abril de 76) - mas a arrogância efusiva existente nos discursos da direita dá lugar a narrativas falaciosas das situações vividas, exalta apenas as personalidades que lhe são convenientes e enviesa as interpretações históricas.

Alguns que pouco ou nada fizeram - ou cuja família política pouco ou nada fez - arvoram-se em heróis de um combate político que não os teve como agentes.

Se as interpretações podem ser várias (plurais), os factos são únicos. Não os falsifiquem!

Já basta a notícia de que "algumas zonas da Península Ibérica vão ser atingidas pela depressão Caetano."


terça-feira, 19 de novembro de 2024

This Is Not America


 (...)

Snowman melting from the inside
Falcon spirals
To the ground (this could be the biggest sky)
So bloody red, tomorrow's clouds

A little piece of you
The little piece in me
Will die (this could be a miracle)
For this is not America

There was a time
A wind that blew so young
For this could be the biggest sky
And I could have the faintest idea


A política como uma questão de fé

 

Trump sabe o que é uma equipa? 

Fez? Porquê a forma verbal no passado? "Fez toda a diferença." Isto é que é fé! 

"O resultado [em 2016] foi uma mistura necessariamente [sic] promíscua entre política, negócios e família, impossível em qualquer democracia europeia [EM QUALQUER DEMOCRACIA!] , mas não nos Estados Unidos da América (...)" 

Depois do que se tem sabido sobre as futuras nomeações, JMT manterá a sua fé?

Os EUA ainda serão uma democracia (liberal)?


Presta-nome

 

Adoro quando, no futebol, as interpostas tomam as dores dos seus (presumidos) cavaleiros andantes e se arvoram em defensoras técnico-tácticas especialistas da matéria.

Fede um bocadinho!...

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

I talk to the wind

I talk to the wind
My words are all carried away
I talk to the wind
The wind does not hear
The wind cannot hear.

Robert Fripp–guitar Ian McDonald–reeds, woodwind, vibes, keyboards, mellotron, vocals Greg Lake–bass guitar, lead vocals Michael Giles–drums, percussion, vocals Peter Sinfield–words and illumination


Nuvens (fora da gaveta)

 «Assim fiz. (...)












(...) a todos os prefácios que me couberam em sorte pela vida em diante.
Então, terminada a tarefa, pegava em toda aquela farrapada e metia-a numa gaveta, exactamente nesta que abri agora mesmo e fui encontrar cheia de nuvens, de papéis de nuvens que remexi na vaga esperança de se me deparar algum rato escondido...

Mas isso sim. Muitas delas nem forças tinham para se escapulir das gavetas, pesadas de ideias podres. Outras lá conseguiam voar a custo, para logo se desfazerem em chuva miudinha que mal humedecia as ervas rasteiras do tempo.

Mas a maior parte diluía-se no céu deserto, já com o poente ao fundo nos horizontes nus.»
José Gomes Ferreira, Gaveta de Nuvens (Intróito)  

E eis como ficou este post...


Peter Sinfield (1943 - 2024)

Peter Sinfield em 1969

Ainda em 1969, a formação inicial dos King Crimson (com Sinfield, à dt.ª)

Morreu Peter Sinfield, poeta, co-fundador dos King Crimson, cujo nome criou, apesar de ser "apenas" o seu "surreal" letrista no período inicial da carreira do grupo. Só muito ocasionalmente tocou sintetizador.

Dirigia o trabalho de luzes nos concertos, oferecia conselhos sobre o design dos álbuns e orientou outras ações mais discretas.


Islands foi o último álbum em que participou. O poético e prodigioso Islands...
Na ficha técnica a referência: "Peter Sinfield: Words, Sounds & Visions"

Formentera Lady - a faixa de abertura de Islands

Trabalhar com Robert Fripp não deve ser nada fácil - reconheça-se o génio, mas o feitio (ao que se lê e ouve!)... Fripp terá afastado Sinfield do grupo e os King Crimson entraram numa fase completamente diferente. 

Trabalhou posteriormente com muitos outros grupos e músicos, como os iniciais Roxy Music e os Emerson, Lake & Palmer, incluindo, curiosamente, muitos músicos que foram integrando (e desintegrando-se d)os King Crimson (Greg Lake, David Cross, John Wetton, Ian McDonald’s).

Peter Sinfield em 2009


À memória do rei-poeta (que não D. Dinis)


Celeste Caeiro - o acaso do nome da Revolução


«O soldado pediu-me um cigarro. Eu não fumava, nunca fumei. Por segundos, fiquei a pensar como poderia compensar aquele rapaz, ali, em cima daquele carro, a lutar por nós. Estava ali a dar-me uma coisa boa e eu sem nada para lhe dar. Sem pensar, tirei um cravo do ramo que levava e ofereci-lho.
Nunca me passou pela cabeça que, por causa disso, o 25 de Abril viesse a ser conhecido mundialmente como a Revolução dos Cravos.
Nunca se conseguiu encontrar aquele rapaz. Sempre que penso naquele dia choro. Tinha 40 anos, cuidava da minha mãe e da minha filha. Morava no Chiado e adorava a cidade onde nasci. E ainda adoro.
Tenho 90 anos, ouço e vejo muito mal. Comovo-me muito a falar deste dia. Os médicos dizem que me faz mal. Vou pedir à minha neta que lhe conte o resto da história. Viva o 25 de Abril! Se o deixarmos morrer teremos de fazer outro.»
Celeste Caeiro


«Havia sempre nos livros da escola a referência à Revolução dos Cravos. A cada ano, mal recebia os manuais, ia de imediato à procura dessas páginas. Sabia que as professoras, nem que fosse uma vez por ano, haveriam de falar no assunto e que eu, mais uma vez, ficaria em silêncio. Nunca disse na escola que foi a minha avó que deu o nome à revolução. Apesar de todo o orgulho que tenho. Acredito mesmo que aquele gesto foi obra do destino.

A minha avó Celeste é filha de uma espanhola de Badajoz e de pai desconhecido. Com dois irmãos, mais velhos, cresceu na Casa Pia. À minha bisavó custou-lhe até muito deixar ali os filhos, que visitava regularmente. Nunca os abandonou.

A minha avó era a menina favorita da diretora do colégio. Fez o Curso de Enfermagem, mas como tinha problemas pulmonares não pôde exercer. Porém, a menina Celeste foi sempre independente. Nunca se casou com o meu avô. Quando o meu avô se portou mal, tinha a minha mãe 3 anos, separaram-se. Para consolar a minha avó, quis oferecer-lhe um fio de ouro e mais coisas. Mas a minha avó não quis saber dos presentes, nem dele. Sozinha, continuou a cuidar da filha e da mãe.

Em abril de 1974, trabalhava num restaurante. O restaurante fazia um ano no dia 25 de abril. Os cravos eram para dar aos clientes. Com o restaurante fechado, as empregadas ficaram com as flores.
Dá-se então o feliz episódio, no início da Rua do Carmo. Um fotógrafo (Carlos Gil) assistiu à cena. Publicou a fotografia. No dia seguinte a minha avó foi trabalhar. Já os colegas tinham ligado para a Crónica Feminina, que logo a foi entrevistar.

Este ano, esse episódio será reconstituído. A minha avó gostava muito que uma placa assinalasse o local. Algo a dizer que foi ali que nasceu o nome Revolução dos Cravos. Ou até ter ali uma pequena estátua.

Falar do 25 de Abril emociona-a muito. Nestes períodos, fica melancólica. Acreditamos que o AVC que sofreu pouco depois das comemorações dos 25 anos de Abril terá tido a ver com as emoções que sentiu. No entanto, tem sido muito ignorada por todos.

Não há fotografias da minha avó com 40 anos. No incêndio do Chiado, perdeu a casa e todos os pertences. As fotografias arderam. Foram-se todas as recordações. Vive há anos num prédio a cair aos bocados, perto da Avenida da Liberdade. Podia viver com a filha e a neta em Alcobaça. Mas à minha avó, alfacinha de gema, ninguém a consegue tirar de Lisboa.

A minha avó, que continua a prestar muita atenção às notícias, está muito preocupada com o país. Na noite das últimas eleições, ao contrário do que é hábito, foi deitar-se cedo. “Não estou para ver esta miséria.” A mim ensinou-me desde miúda que o valor mais importante é o da liberdade."

Carolina (23 anos, mestre em Direito, quer ser magistrada)

Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles, Diário de Notícias, 23/04/2024


Celeste Caeiro faleceu hoje, aos 91 anos.


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Foste ao futebol sem mim

1958 (ano em que nasci), Maria de Fátima Bravo (minha vizinha nos meus primeiros anos de vida) e o futebol... Canção dos Manos Alexandre, do filme O Tarzan do 5.º esquerdo.



domingo, 10 de novembro de 2024

Que apoio aos Directores de Turma?

 

O que se espera que façam "140 técnicos superiores para apoio administrativo às direções de turma"?

Calculando o número total de turmas das centenas de escolas, a diversidade de tarefas/problemas, a variedade de documentos existentes nas várias escolas e/ou agrupamentos... É para rir!

Não há professores e há "técnicos superiores" para apoio? Quem são estes (potenciais) técnicos?

Ainda os professores vão ajudar à formação destes técnicos...

Estamos a brincar ao faz de conta!...


Bad news on the doorstep



Oh, and while the king was looking down,
The jester stole his thorny crown.
The courtroom was adjourned;
No verdict was returned.
And while Lennon read a book of Marx,
The quartet practiced in the park,
And we sang dirges in the dark
The day the music died.


América




And walked off to look for America

I've gone to look for America

They've all come to look for America
All come to look for America


sábado, 2 de novembro de 2024

Camilo Mortágua (1934 - 2024)

Faleceu ontem Camilo Mortágua.  

Pai das gémeas Mortágua (Joana e Mariana), dirigentes do Bloco de Esquerda, Camilo Mortágua destacou-se por ter participado em acções arrojadas contra o Estado Novo.

A primeira foi em Janeiro de 1961, no assalto ao paquete Santa Maria - a Operação Dulcineia, organizada pela Direção Revolucionária Ibérica de Libertação (DRIL) e comandada pelo Capitão Henrique Galvão. Do grupo faziam parte 11 portugueses, 11 espanhóis e 2 venezuelanos. Durante quase duas semanas o navio, rebaptizado com o nome de Santa Liberdade, navegou no oceano Atlântico sem rumo definido, fazendo campanha contra as ditaduras ibéricas.

Esta ação, iniciada a 22 de Janeiro, terminou no início de Fevereiro, quando o paquete entrou no porto do Recife (Brasil) e foi ocupado por fuzileiros navais.

Ainda em 1961, a 10 de Novembro, participou no desvio de um avião da TAP que fazia a ligação Casablanca - Lisboa, com o objectivo de sobrevoar a capital e lançar folhetos de denúncia do regime - Operação Vagô, executada por 5 homens e uma mulher, chefiados por Hermínio da Palma Inácio. Mais de 100 mil panfletos da Frente Antitotalitária dos Portugueses Livres no Estrangeiro, denunciando a "farsa fraudulenta" das eleições para a Assembleia Nacional que iam decorrer 2 dias depois, foram lançados sobre Lisboa, Setúbal, Barreiro, Beja e Faro. O avião regressou a Marrocos (e o Brasil autorizaria o asilo político).

A 17 de Maio de 1967, com Palma Inácio, entre outros, participou no assalto à filial do Banco de Portugal na Figueira da Foz, com o objectivo de financiar novas acções contra a ditadura. Os assaltantes fugiram numa avioneta estacionada no aeródromo de Cernache, para o Algarve (aterraram numa herdade) e, depois, já por terra, seguiram em direcção a Paris.

Operação Mondego rendeu cerca de 30 mil contos, mas... 80% das notas desviadas foram anuladas pelo Banco de Portugal, por não terem ainda entrado em circulação. Em 30 de Junho de 1967, o Banco de Portugal publicou um aviso no qual referia: "(…) as notas roubadas não foram postas em circulação pelo que não possuem curso legal e poder liberatório, nem são susceptíveis, a qualquer tempo, de reembolso ou troca (...)". 

Condenado à revelia a 20 anos de prisão por participar no assalto, Camilo Mortágua já estava em Paris quando soube da pena. Depois do 25 de Abril foi amnistiado por ter sido considerado que se tratava de um crime político.

Na sequência desta acção, a 19 de Junho, foi fundada a Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR), em Paris (onde estava a maioria dos assaltantes da Figueira da Foz). Entre os seus dirigentes, para além de Camilo Mortágua, contaram-se Palma Inácio, Emídio Guerreiro, José Augusto Seabra e, mais tarde, Fernando Pereira Marques. 


Curiosamente, só foi preso... depois do 25 de Abril de 1974 (ouvi a referência pelo próprio, numa sessão filmada no Museu do Aljube), não sei exactamente em que circunstâncias.

Foi condecorado por Jorge Sampaio com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade, em 2005.

Escreveu Andanças para a Liberdade, 2 volumes, em que partilha as suas memórias de resistência e luta contra a ditadura. 


Jorge de Sena - Hei-de ser tudo...

Hei-de ser tudo o que eles querem:
a raiva é toda de eu não ser um espelho
em que mirem com gosto os próprios cornos,
as caudas com lacinhos, e os bigodes
de chibos capripédicos.
Não sou sequer imagem.
Mas voz eu sou
que como agulha ou lança ou faca ou espada
mesmo que não dissesse da miséria
de lodo e trampa em que se espojam vis
só porque existe é como uma denúncia.

Hei-de ser tudo, não o sendo. Um dia
– podres na terra ou nos caixões de chumbo
estes zelosos treponemas lusos –
uma outra gente, e limpa, julgará
desta vergonha inominável que é
ter de existir num tempo de canalhas
de um umbigo preso à podridão de Impérios
e à lei de mendigar favor dos grandes.
Jorge de Sena, 9.12.1972


Jorge de Sena nasceu a 2 de Novembro de 1919.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Terramotos, ermida e escadinhas

Com o terramoto de 1 de Novembro de 1755, caiu o Carmo e a Trindade, mas Campo de Ourique escapou à justa, res-vés. 

E uma ermida foi construída na actual rua do Arco do Carvalhão, mandada erigir pelo proprietário daquelas terras, pela graça de se ter salvo.


A Ermida do Senhor Jesus dos Terramotos começou a ser construída a partir de 1756, há quem diga que rapidamente se construiu e há quem diga que só ficou pronta ao fim de 40 anos. 

Serve atualmente como Capela, embora só abra uma vez por ano (dizem), exactamente em 1 de Novembro, para comemorar o facto desta zona ter escapado ao terramoto. Mas o interior estará ao abandono (dizem). No princípio de 2018, o Público desenvolvia uma notícia sobre desaparecimento de arte sacra , a que estaria ligado o próprio padre da paróquia de Santo Condestável, responsável pela capela (um conhecido do Presidente Marcelo...).

Junto a ela as Escadinhas dos Terramotos, que ligam a Rua Maria Pia e a Rua do Arco do Carvalhão (nome relacionado com família Carvalho, do Sebastião José - Marquês de Pombal - proprietária de largas propriedades por estas bandas).  





As escadinhas, em 1944, conforme se iam subindo 

Hoje, o aspecto é bem diferente...

Pesquisem no Google Maps.


1 de Novembro de 1755 - Lisboa pulou e balançou

«[…] no primeiro dia de novembro, em um sábado, quasi às 10 horas estando o céu sereno e quieto o mar, precedendo um ruído subterrâneo muito horroroso que acompanhou o tremor começou o território de Lisboa a tremer de sorte que dentro de pouco tempo se sentiu abalar a terra por vários modos. Porque não somente se movia pulando para cima, mas também dava uns balanços como que a modo de Embarcação umas vezes se inclinava de Nascente para Poente; outras de Norte para o Sul…»

Padre António Pereira



Ao momento...