"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

domingo, 15 de junho de 2025

Ensino - (o meu) fim de linha

Depois de mais de 42 anos de ensino, com o aproximar do fim do último ano lectivo, pensava como iriam ser as minhas últimas aulas na escola que conheço há quase 40 anos.

Procurava antecipar o que iria sentir quando, depois dos alunos terem saído, fechasse a porta da sala de aulas pela última vez.

Ficou tudo pelo pensamento!
Uma virose - covid de quarta ou quinta categoria! - obrigou-me a faltar nos últimos dias do ano lectivo.

Fernando Henrique Cardoso, antigo Presidente do Brasil, sociólogo, dizia que "Na História, quando se pensa que acontecerá o inevitável, ocorre o imprevisto."

Sobre o dia em que a vontade dos miúdos é, fundamentalmente, entrar no modo de férias - e a dos professores não lhes é contrária! -, tenho a vantagem de poder continuar a conjecturaad aeternum todas as formas possíveis dos actos de encerramento da aventura docente. Sem que a natural agitação juvenil prejudique as "cerimónias"...

Não que isso figure nas minhas preocupações - o caminho está feito!
Estou no final do prazo de validade!



quarta-feira, 11 de junho de 2025

Atribulações de um Dia de Portugal

Em Dia de Portugal, há quem deite os corninhos ao sol (e não é por bom motivo).

Um grupo associado à extrema-direita agrediu o actor Adérito Lopes, do grupo teatral A Barraca.

Confesso que, para mim, foi um choque! Um sinal que "as coisas" estão a andar muito depressa.

Do que li (Público online de hoje), esse grupo pertencerá a uma organização internacional com representação em Portugal e pelo menos um dos autores do ataque aos actores d’A Barraca esteve envolvido na morte de Alcindo Monteiro, um português de origem caboverdiana, agredido no dia 10 de Junho de 1995 e que viria a falecer dois dias depois.

A referência a esse grupo - "Sangue e Honra" - faria parte do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) relativo a 2024, relatório esse que foi truncado pelo menos em sete páginas, nas quais se tratava dos problemas de segurança pública provocados por estes grupos de extrema-direita e pelo terrorismo (há quem refira o grupo "Reconquista").

Vários partidos querem o debate sobre o RASI, continuando à espera da explicação para o apagamento desse capítulo - por que razão não aparece na versão oficial que chegou ao Parlamento.


Entretanto, Xeque David Munir, o imã da mesquita de Lisboa, foi insultado no Encontro Nacional de Homenagem aos Combatentes, em Belém, para o qual foi convidado oficialmente, o que acontece desde 1995.

Os insultos partiram de um grupo que fazia a saudação nazi.


À margem das ideologias políticas, mas fruto da época, da banalização da violência, um grupo de cinco adeptos do F.C. Porto foi atacado no interior de uma viatura em que foram introduzidos engenhos incendiários, por um grupo de adeptos(?) do Sporting, após o jogo de hóquei em patins entre as duas equipas. 

Resultaram dois feridos graves e três ligeiros.


Entretanto, em relação ao discurso de Lídia Jorge nas comemorações oficiais em Lagos, há uma clara divisão nos poucos locais que frequento nas redes sociais: altamente elogiado por uns, deitado abaixo por outros (geralmente em mau Português e por muita gente que não compreendeu literalmente o discurso, pelo que os dislates são muitos). Sobretudo, não entenderam a menção à inexistência de "portugueses puros" - se os bisavós são de Freixo de Espada à Cinta, que é lá isso de não ser um português puro?...

Alegra-me que nos sítios que frequento o apreço pelo discurso saia largamente vencedor. Mas esse não será o registo em todos os lados. Não verifiquei: há locais a que não me chego, sobretudo por uma questão de sanidade mental. Campeia por aí uma grande indigência mental. 

Citando Lídia Jorge: «A cultura digital subverteu a regra de exemplaridade, o escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende. 

Um Chefe de Estado de uma grande potência, durante um comício, pôde dizer: "Adoro-vos! Adoro os pouco instruídos." E os pouco instruídos aplaudiram.»

 Desejo-vos melhores dias.


Brian Wilson (The Beach Boys)

Morreu o fundador e alma dos The Beach Boys, o homem dos Pet Sounds.


God only knows 


terça-feira, 10 de junho de 2025

Seguidores de ídolos fantasmas

«Nos dias que correm, trata-se do surgimento de um novo tempo que está a acontecerá escala global. Porque nós, agora, somos outros.

Deslocamo-nos à velocidade dos meteoros e estamos cercados de fios invisíveis que nos ligam para o espaço. (...) O poder demente aliado ao triunfalismo tecnológico faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a Terra redonda é disputada por vários pescoços em competição, como se, mais uma vez, se tratasse de um berloque.

E os cidadãos são apenas público que assiste a espectáculos em écrans de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas.»

Do discurso de Lídia Jorge nas cerimónias do 10 de Junho de 2025 



Sem cor de virtude

«[Camões, Shakespeare e Cervantes] Procederam à anatomia dos dilemas humanos e entre eles os mecanismos universais do poder. Corpus que continua válido e intacto até aos nossos dias. Sobre o poder grandioso, o poder cruel, o poder tirânico, o poder temeroso e o poder laxista. 

No caso de Camões, de que se queixa ele quando interrompe o poema das maravilhas da História para lembrar a mesquinha realidade que envenenava o presente de então? 
Queixava-se da degradação moral, mencionava o vil interesse e "sede i[ni]miga" do dinheiro que a tudo nos obriga e evocava, entre os vários aspectos da degradação, o facto de sucederem aos homens de coragem, que tinham enfrentado o mar desconhecido, homens novos, venais, que só pensavam em fazer fortuna.
Mais do que isso, queixava-se da subversão do pensamento, queixava-se da falta da sociedade intelectual que resultava depois, na prática, na degradação dos actos do dia a dia.»

Do discurso de Lídia Jorge nas cerimónias do 10 de Junho de 2025 



A bordo de "Os Lusíadas", por 40 apeadeiros

Em Dia de Camões, no Ano em que comemoram os 500 anos do seu nascimento (a ter sido, de facto, em 1525!), o Público edita uma "proveitosa travessia" que sintetiza Os Lusíadas em 40 episódios - os 40 apeadeiros - com cativantes recursos gráficos* e transcrição de passagens.

Os Lusíadas com paragem em 40 apeadeiros

Trabalho de Luís Miguel Queirós, Francisco Lopes e José Alves 


* Ilustrações: Alfredo Roque Gameiro (1864-1935) e Manuel de Macedo (1839-1915) 
na Grande edição ilustrada/revista e prefaciada pelo Dr. Sousa Viterbo



quarta-feira, 4 de junho de 2025

Eduardo Gageiro (1935 - 2025)


Foi um dos fotógrafos do 25 de Abril de 74 - "a reportagem mais importante da minha vida".
Já antes se tinha destacado pelo seu trabalho, quando fotografava as pessoas humildes, embora o poder preferisse que ele fotografasse as paisagens bonitas. Por isso chegou a ser preso.


O regime também não teria gostado do que fotografou no dia 25 de Abril e nos que se seguiram...



As deposições na sede da PIDE

Obrigado ao Mestre!


terça-feira, 3 de junho de 2025

Pierre Nora (historiador), 1931 - 2025

E vão desaparecendo os historiadores que marcaram a minha entrada no curso de História, ou seja, a minha descoberta da História, com tudo o que nisso havia de novidade, de deslumbramento.

Pierre Nora faleceu ontem, aos 93 anos. Ligado à Nova História (L'Histoire Nouvelle), é dele e de Jacques Le Goff a direcção de Fazer História (1974), com edição em Portugal pela Bertrand, em 3 volumes, entre 1977 (quando entrei na faculdade) e 1987 - custa a editar!*

Era a História Nova que esses historiadores queriam apresentar, na senda da escola dos Annales de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel.


«A novidade parece residir em três processos: novos problemas põem em causa a própria história; novas contribuições modificam, enriquecem, transformam os sectores tradicionais da história; novos objectos, enfim, aparecem no campo epistemológico da história.

O que obriga a história a redefinir-se é, antes de mais, a tomada de consciência, pelos historiadores, do relativismo da sua ciência. Não é o absoluto dos historiadores do passado, providencialistas ou positivistas, mas o produto de uma situação, de uma história. Este carácter singular de uma ciência que tem apenas um único limite para o seu objecto e para si própria, que oscila entre a história vivida e a história construída, sofrida e fabricada, obriga os historiadores, conscientes desta relação original, a interrogarem-se de novo sobre os fundamentos epistemológicos da sua disciplina.»

Seguia em direcção a uma história total - uma tendência de os objectos das histórias parciais se constituírem em totalidade. 

«Ciência do domínio do passado e da consciência do tempo, deve, ainda, definir-se como ciência da mudança, da transformação.»


* A sua obra de referência, Les Lieux de Mémoire, "criação historiográfica original que reuniu 130 historiadores a questionar os símbolos franceses e a forma como expressavam, e o que expressavam, esse espírito diáfano que é um sentimento nacional”, nem teve edição em Portugal. 

É “um vasto estudo colectivo do património francês como marca identitária” (Francisco Bethencourt), que, pretendendo reflectir sobre o colectivo, a memória e a identidade, acabou por criar o conceito de lugares de memória. 


segunda-feira, 2 de junho de 2025

Pink Floyd, Obscured by clouds

Há 53 anos, a edição de Obscured by Clouds.

Álbum poucas vezes referido, mas ainda da fase áurea dos Pink Floyd.

Obscured by Clouds

Uma situação muito comum nos dias que correm...