"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 3 de junho de 2025

Pierre Nora (historiador), 1931 - 2025

E vão desaparecendo os historiadores que marcaram a minha entrada no curso de História, ou seja, a minha descoberta da História, com tudo o que nisso havia de novidade, de deslumbramento.

Pierre Nora faleceu ontem, aos 93 anos. Ligado à Nova História (L'Histoire Nouvelle), é dele e de Jacques Le Goff a direcção de Fazer História (1974), com edição em Portugal pela Bertrand, em 3 volumes, entre 1977 (quando entrei na faculdade) e 1987 - custa a editar!*

Era a História Nova que esses historiadores queriam apresentar, na senda da escola dos Annales de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel.


«A novidade parece residir em três processos: novos problemas põem em causa a própria história; novas contribuições modificam, enriquecem, transformam os sectores tradicionais da história; novos objectos, enfim, aparecem no campo epistemológico da história.

O que obriga a história a redefinir-se é, antes de mais, a tomada de consciência, pelos historiadores, do relativismo da sua ciência. Não é o absoluto dos historiadores do passado, providencialistas ou positivistas, mas o produto de uma situação, de uma história. Este carácter singular de uma ciência que tem apenas um único limite para o seu objecto e para si própria, que oscila entre a história vivida e a história construída, sofrida e fabricada, obriga os historiadores, conscientes desta relação original, a interrogarem-se de novo sobre os fundamentos epistemológicos da sua disciplina.»

Seguia em direcção a uma história total - uma tendência de os objectos das histórias parciais se constituírem em totalidade. 

«Ciência do domínio do passado e da consciência do tempo, deve, ainda, definir-se como ciência da mudança, da transformação.»


* A sua obra de referência, Les Lieux de Mémoire, "criação historiográfica original que reuniu 130 historiadores a questionar os símbolos franceses e a forma como expressavam, e o que expressavam, esse espírito diáfano que é um sentimento nacional”, nem teve edição em Portugal. 

É “um vasto estudo colectivo do património francês como marca identitária” (Francisco Bethencourt), que, pretendendo reflectir sobre o colectivo, a memória e a identidade, acabou por criar o conceito de lugares de memória. 


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