"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O que é doce nunca amargou

Lisboa quinhentista (Crónica d' El-Rei D. Afonso Henriques)

«(...) quinze dias antes do Natal até ao dia de Reis se põem 30 mulheres na Ribeira e Pelourinho Velho com suas mesas cobertas de toalhas e mantéis muito alvos, e em cima deles, gergelim, pinhoada, nogada, marmelada, laranjada, sidrada e fartéis e toda outra sorte e maneira de conservas.»

João Brandão, Grandeza e Abastança de Lisboa em 1552

O açúcar proveniente da Madeira fez aumentar o fabrico e venda de doces, surgindo as confeitarias, que dão origem à Rua da Confeitaria, antiga Rua da Ferraria, na baixa da cidade (rua que teria ligação ao Largo do Pelourinho Velho, zona próxima do Terreiro do Paço, creio que lado NE).

Mercado da Ribeira Velha, Lisboa
(painel de azulejo do século XVII - Museu da Cidade)

Na lista que é feita de quantas pessoas fabricam e/ou vendem doces naquela data (1551/52), encontramos 20 mestres de fabricar açúcar, 9 vendedores ambulantes de obreias, 23 alfeoleiros, 150 confeiteiros, 26 obreeiros, 30 pasteleiros, 28 mulheres que fazem aletria, 23 mulheres que fazem alféola, 26 mulheres que vendem fartéis, 100 mulheres que vendem fruta passada (cristalizada), 200 mulheres que vendem às suas portas fruta seca (doce), 70 mulheres que vendem na Ribeira fruta seca e verde, 60 mulheres que fazem fruta de açúcar, 30 mulheres que vendem girgilada e outras frutas de mel, 50 mulheres que vendem marmelada, 20 mulheres que vendem mel, 24 mulheres que fazem zevezinhos.
Total: 889 pessoas que fazem e/ou vendem doces.
Números inflacionados?
Será que algumas não acumulavam trabalhos? Lisboa teria cerca de 100 mil habitantes...


Glossário (porque eu não quero que os meus leitores se percam):
Alféola – artigo de confeitaria feito com massa de açúcar ou melaço em ponto grosso.
Fartel – bolo de açúcar e amêndoa envolvidos em farinha de trigo ou bolo que contém creme.
Girgilada (gergilada) – doce feito de farinha, calda de açúcar e gergelim (sésamo).
Obreia – folha de massa muito fina utilizada para alguns doces.
Zevezinho – espécie de doce ou massa.


Fonte principal: Alfredo Saramago, Para uma história da alimentação de Lisboa e seu termo, Assírio & Alvim, 2004.

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