"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Revisão Curricular - Do eduquês ao economês

A revisão curricular tem um objectivo declarado: melhorar a qualidade do ensino, para termos alunos com um melhor desempenho escolar, portanto, mais bem preparados.

A revisão curricular tem um objectivo não declarado, mais importante para o Governo do que o anterior: reduzir ao máximo os custos com os professores, através da redução do número de horas de aulas para os alunos e do desaparecimento dos pares pedagógicos, para permitir o corte nas despesas públicas com a Educação – estão previstas “poupanças em despesas com pessoal na ordem dos 100 milhões de euros”.

Como estratégia para se conseguir esses objectivos é apontada a redução da dispersão curricular. O reforço de horas já este ano lectivo em Língua Portuguesa e Matemática anteciparam esta revisão.

Hierarquicamente existirão disciplinas estruturantes (Língua portuguesa e Matemática) e disciplinas essenciais (serão todas as restantes?), com conhecimentos fundamentais e conteúdos centrais.

Assiste-se a um back to the basics e aguarda-se a definição de metas de aprendizagem disciplinares e a posterior reformulação dos programas, esperando-se que sirvam no modelo (re)criado.

A nível dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico assiste-se à redução do número de horas lectivas (menos 3 tempos nos 5.º e 6.º anos, 1 tempo no 8.º ano e 4 tempos no 9.º ano). Poder-se-ão acrescentar as facultativas horas de Apoio ao Estudo, mas só no 2.º Ciclo, não tendo ficado definido como se irá processar o que se apresenta como oferta diária de apoio.
O obrigatório Estudo Acompanhado, como se esperava, segue o caminho da já extinta Área de Projecto e desaparece do currículo do 2.º Ciclo, a exemplo do que já tinha acontecido no 3.º Ciclo. Seriam rostos visíveis do eduquês rejeitado pelo ministro. A substituição de Estudo Acompanhado pelo Apoio ao Estudo também se justificará pelo desaparecimento da leccionação por par pedagógico, dando lugar a um Apoio que deverá incidir na componente não lectiva de um só professor. Logo, menos despesas.

Formação Cívica também desaparece. Concordo que o que podemos chamar Formação Cívica é transversal a todas as disciplinas, mas este tempo é geralmente aproveitado pelos Directores de Turma para estar/trabalhar com os alunos das suas turmas problemas específicos destas e não tem alternativa no novo esquema curricular. Os Directores de Turma irão tirar tempo das suas disciplinas para tratar de questões relacionadas com o seu trabalho na direcção de turma. E os alunos irão perder.

O Inglês como disciplina obrigatória ao longo de um mínimo de 5 anos já é uma realidade.

No 2.º Ciclo, Educação Visual e Tecnológica será dividida em duas disciplinas: Educação Visual e Educação Tecnológica. Parece o regresso à antiga divisão entre Educação Visual (Desenho) e Trabalhos Manuais, mas agora com menos tempos lectivos. A “união” destas disciplinas, iniciada com a reforma de Roberto Carneiro (com perda de um tempo lectivo), permaneceu com a reforma de 2001 (com a perda de outro tempo). A formação de professores nos últimos anos visava a simbiose das duas áreas. E agora? Como se separam os professores? O mesmo grupo disciplinar fornece professores para as duas disciplinas? Mas fará sentido a divisão? Também não é pormenor o desaparecimento do par pedagógico em disciplinas de carácter tão prático, com alunos tão novos e manuseando alguns materiais/equipamentos que requerem cuidados especiais.

Sentido parece-me fazer a antecipação das TIC para o 2.º Ciclo, embora falte saber quais as orientações para a sua leccionação – não poderão ser iguais àquelas que são seguidas actualmente para o 9.º ano.

No 3.º Ciclo há um reforço em áreas que, de facto, estão carenciadas desse reforço: as ciências experimentais e as ciências humanas e sociais.
Mas, para além da perda de Formação Cívica, o 3.º Ciclo fica mais pobre com o desaparecimento da Oferta de Escola no 9.º ano e com o desaparecimento das TIC. Perdem (outra vez) as áreas das artes e das tecnologias (não serão essenciais, com conhecimentos fundamentais e conteúdos centrais?).
Não deveria haver neste ciclo uma área correspondente à Área de Projecto, em que os alunos pusessem em prática o desenvolvimento de projectos com aplicação de conhecimentos e competências oriundas das diferentes áreas? Voltamos ao espartilhamento dos saberes, concentrados em disciplinas clássicas e menos “abertas”.

Como responderão as escolas básicas (2.º e 3.º Ciclos) às múltiplas propostas que lhes chegam (muitas vezes de estruturas do próprio ministério) para o desenvolvimento de projectos em áreas como a saúde, o ambiente, os direitos humanos, o património, a intervenção cívica, etc. quando a organização curricular se fecha “em gavetas” e há cada vez menos horas da componente não lectiva para o desenvolvimento de projectos, motivado pela sobrecarga lectiva (menor número de horas de redução dos professores que se encontram no activo)?

As associações representativas das várias áreas disciplinares (Língua Portuguesa / Matemática / História / Geografia, são as que conheço) mostram alguma satisfação porque as suas disciplinas ganharam horas. As organizações das áreas das artes ou não existem ou não terão tanto peso e saem a perder. Os Estudos Acompanhados, Áreas de Projecto e Formações Cívicas não têm associações que as protejam e o olhar corporativo muito característico dos portugueses só se dirigiu para as “capelas” que directamente superintendem (Salazar pode estar descansado: o corporativismo está bem de saúde em todos os sectores da sociedade!).

Sem contestar a necessidade de não dispersar esforços/horas por muitas disciplinas (isso é sensível no 3.º Ciclo), a verdade é que regressamos a um modelo curricular anterior a 1992, numa altura em que as escolas perdem disponibilidade – autonomia – para o desenvolvimento de outros projectos. E os tempos não estão para a velha “carolice” de uns quantos professores!
Por isso me parece um regresso a um tempo ainda anterior (o de Veiga Simão, 1968), a reforma que experimentei no Preparatório e no Curso Geral dos Liceus (só espero que não lhe acrescentem as actividades obrigatórias da Mocidade Portuguesa!).

Com este back to the basics, sem que as escolas tenham grandes possibilidades de apresentar actividades de enriquecimento curricular, perdem os alunos e perdemos todos nós.

Só ganha o combate ao défice. Esse é o objectivo que poderá ser alcançado e que é mensurável (é só dar tempo à aplicação plena da nova estrutura curricular – 3 anos).
Melhorar a qualidade do ensino é um objectivo mais... subjectivo. Todos os ministros que passam pelo Ministério da Educação afirmam que as suas medidas têm contribuído para a melhoria da qualidade do ensino. Com os resultados que temos visto!...


P.S. – O Nuno Crato não terá explicado ao Vítor Gaspar que os efeitos da revisão curricular só se sentirão em pleno daqui a 3 anos, quando estiver a ser aplicada a todos os anos de escolaridade?



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