"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Queijo de Serpa - maravilha da queijaria universal

Só na década de 30 do século passado apareceram referências específicas ao queijo da região de Serpa. Até aí falava-se, genericamente, em "queijo alentejano" ou "queijo do Alentejo".
Dizem as boas línguas que Vasco da Gama levou 2646 queijos alentejanos na sua viagem de descobrimento do caminho marítimo para a Índia.

O queijo de Serpa era oriundo da região conhecida por "margem esquerda", zona compreendida entre o rio Guadiana e a fronteira com Espanha - concelhos de Serpa e Moura.

Silva Porto - Guardando o rebanho
Era um queijo inteiramente artesanal, feito a partir do leite cru das ovelhas merino, especialmente produtoras de lã e de carne. Mas após a cria dos borregos fazia-se a ordenha dessas ovelhas e o leite, apesar de ser de  diminuta produção, tinha um elevado teor de gordura e de proteínas, bom para queijo.

O seu fabrico acontecia nas "rouparias", queijarias rústicas pertencentes às próprias herdades. O nome tem origem na grande quantidade de panos (a "roupa") que era necessária à sua produção - a filtração do leite fazia-se através de vários panos grossos, coando-se as muitas impurezas que o leite apresentava, devido ao tipo de terreno, condições de ordenha, acondicionamento, transporte até ao lugar da feitura, etc.

O processo de fabrico tinha semelhanças ao do queijo da Serra, com utilização do cardo para a coagulação, o que se poderá dever á prática da transumância que se verificava da serra da estrela para o Alentejo. Mas as características do leite eram diferentes, pela microecologia da região e pelas práticas de manejo dos rebanhos e de obtenção do leite.

Olleboma, na sua Culinária Portuguesa (1928), escrevia:
«Ainda de tipo semelhante ao da Serra há o do Alentejo. É fabricado especialmente na serra de Serpa e em Beja. Tem a mesma forma dos da Serra, mas de maiores dimensões, tendo o peso de dois a três quilos, cada. São também de leite de ovelha e fabricados pelo mesmo processo, porém um pouco mais salgados, e levemente picantes, com sabor muito agradável, mas um pouco diferentes dos da Serra, por serem diferentes os pastos das duas regiões.»

A tradição já não é o que era. A "modernidade" sofisticou o processo: as ovelhas produtoras são, fundamentalmente, de raças não autóctones (mas que dão mais leite), a industrialização segue as regras de higienização e de controlo, certos procedimentos tradicionais tiveram de ser abandonados.

Em 1987 foi criada legalmente a Região Demarcada do Queijo de Serpa. Esta região é bem larga, até de mais: abrange todos os concelhos do distrito de Beja e cerca de uma dezena de freguesias de concelhos do distrito de Setúbal (Odemira, Santiago do Cacém, Grândola e Alcácer do Sal). Quase chegava ao Seixal!!!
Mas o Queijo de Serpa, com denominação de origem desde 1994, protegida (DOP) desde 1996, ainda tem o seu quê. "Maravilha da queijaria universal", nas palavras de José Quitério.

E, para mim, Queijo de Serpa é mesmo o de Serpa.

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