"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 5 de julho de 2016

Não embarco em felicidades

Está na comunicação social:
"Chumbos descem em todos os anos de ensino"

«Últimos dados reportam ao ano lectivo de 2014/15, revelam uma descida generalizada da retenção, mas também a persistência de problemas: logo aos 7/8 anos de idade chumbaram 9,3% das crianças. E o 7.º [ano] é dos que mais dificuldades causam aos alunos. No secundário, há um recorde positivo.
Depois de três anos a subir na maioria dos anos de escolaridade, os chumbos voltaram a descer, revelam os dados mais recentes, relativos a 2014/15. E, desta vez, a queda deu-se em todos os níveis de ensino. No secundário, a taxa de retenção global ficou pela primeira vez abaixo dos 20% (18,3%). E nos três ciclos do ensino básico, há a destacar a melhoria acentuada no 9.º ano: os 10,6% são também um recorde nas últimas duas décadas.» (Expresso, ontem)

Nuno Crato está feliz. Era ele o Ministro da Educação, é natural.
E, naturalmente, atribui à sua "política de exigência" o mérito desta melhoria dos resultados.

No meio deste arremesso de números, não embarco em felicidades!
Houve uma melhoria dos resultados? É bom. Ainda bem que não pioraram.
Se piorassem a culpa era dos professores.
Como melhoraram, o mérito deve ser da política educativa.
As criancinhas... deixai-as estar!

Os números escondem sempre realidades pouco dadas... a números. Ou que os ultrapassam - a realidade é uma coisa muito grande! E espantosa!
Estes resultados não são, na sua grande maioria, dos mesmos alunos que andaram a fazer subir os chumbos nos últimos três anos? O que é que lhes deu, em 2014-2015, para os resultados melhorarem? A exigência do Nuno Crato? Ao fim de três anos de exigência incompreendida, os alunos concluíram que nada podiam fazer contra o rigor de Nuno Crato e encheram-se de brio? Não terão as provas (finais, de exame) sido mais fáceis?
O que acontecerá aos resultados deste ano, em que não houve provas finais no 4.º e no 6.º ano? Se os resultados melhorarem, ainda têm a ver com a (considerada) política de rigor e de exigência em que esses alunos viveram nos últimos anos ou terão a ver com a (considerada) política de facilitismo do actual ministro, a que os alunos se habituaram nos últimos meses?
Os números podem ser manobrados e permitir múltiplas leituras. Incluindo as políticas. E as jornalísticas, assim tipo conversa de café...

A mesma comunicação social que exulta com estes resultados escandalizava-se, há poucos dias, com a passagem de ano de um aluno que apresentava 7 níveis negativos. Mas a lei actual (e a filosofia subjacente) que permitiu aquela transição de ano é a mesma do tempo de Nuno Crato. Que distância vai do apregoado rigor de um ministro ao apregoado facilitismo de outro?

Espantosa realidade por espantosa realidade, prefiro Alberto Caeiro.


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