"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

No solstício de Verão

Levanto-me cedo e inquieta
diante da luminosidade
este ano mais intensa e translúcida


Solstício de verão

sei - a misturar-se no grande
esplendor de forma incerta
com os restos nocturnos

de Lua cheia

Desatenta, tento fugir ao olhar
do meu amante
que em mim sempre dá conta
da gazela que escapa

ao caçador

Enquanto jamais desisto
de cumprir sozinha a lâmina
de sol em brasa na forja do ferrador

Lume misterioso e sagrado

procurando eu sempre e ainda
o odor de cada um dos astros
em busca da cintilação maior

do dia mais longo

Ao encontro do verão
inscrito no corpo belo e nu
do meu amante-amado

- És minha...
diz ele, iludindo-me o protesto
e tomando-me a si, ignorando

o cardo desde
sempre
existente em mim

A querer que nos tornássemos
num único
e indimensionável corpo astral

Trópico de Câncer - entendo
de súbito a perder-me
mas logo a desejar reencontrar-me

intacta

diante da rotação
da Terra
em torno de si mesma

Porque pretendo
ser
da condição da luz

da claridade maior enquanto
grito de paixão
voando pelos luzeiros do espaço

desejando mudar-me
tornar-me
na deslumbrante esfera celeste

- Fruição?

Indago em vão a mim
própria
na nudez do silêncio da tarde

Insubmissão!

Maria Teresa Horta - 20 de Junho de 2016



Solstício de Verão com Lua Cheia... não voltarei a ver.


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