"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Dêem-me um dia banal... ou um calendário revolucionário

Ontem foi dia da criançada, hoje é dia não sei do quê e todos os dias são dias de qualquer coisa, pelo horror ao vazio de ser um dia de coisa nenhuma.

Enchemos os dias de nomes, de causas e de boas intenções. Mas, cheios de tanta boa vontade e de tantos lembretes, atafulhamos com essa informação o nosso cérebro (já com tantos gigas ocupados e tão pouco espaço na memória!...). As redes sociais bem nos fazem lembrar, mas eu acho que já dei abraços quando, afinal, era dia dos beijos e já felicitei sobrinhos, quando o dia era dos irmãos.
Não se perdeu nada! Eu nem tenho irmãos...

E assim trocamos datas e perdemo-nos nas comemorações do calendário paralelo, salvo quando as acções publicitárias dos Namorados, Mulheres, Pais, Mães e Crianças nos bombardeiam, pelos interesses comerciais. Aí, não nos dão grandes possibilidades de fuga à lembrança. Mas nessas alturas entro no modo “Recusa”: fico contra os dias.
Como dizia a letra de um fado de antigamente: “Tudo o que é de mais enjoa / sempre a mesma coisa cansa”.

Apetecem-me dias iguais em que seja eu a decidir quem ou o que celebro e homenageio.
Apetece-me fazer um calendário revolucionário, um calendário pessoal, porventura parecido com o que a Convenção Nacional, em 1792, durante o período revolucionário em França, resolveu aprovar para marcar o início de uma nova era da humanidade.
De base solar, o calendário tinha uma série de inovações que passavam, nomeadamente, por outra forma da contagem das horas e dos minutos, tendo em consideração o revolucionário sistema decimal.



Para dar o nome aos dias e aos meses desse calendário republicano, foi chamado o poeta Fabre d’Églantine. Quem melhor do que um poeta para essa nobre função?
E o poeta, baseando a nomenclatura dos dias e meses no ciclo da Natureza – nada de sinais de clericalismo! - recorreu ao auxílio do jardineiro do Jardin des Plantes de Paris.

Desconheço o nome que o dia de hoje teria nesse calendário, mas sei que estaríamos no mês do Prairial (referente aos prados).
Numa revolução que se pretendia igualitária, o número de dias de cada mês não podia ser diferente: todos tinham 30 dias. Sobravam, ao fim de cada ano, uns dias complementares, os quais tinham nomes interessantes: Dia da Virtude, Dia do Engenho, Dia do Trabalho, Dia da Opinião e Dia das Recompensas.
Se o ano fosse bissexto, havia lugar ao Dia da Revolução.



O poeta, como muitos revolucionários, perdeu literalmente a cabeça - foi guilhotinado, em 1794. O calendário sobreviveu até Napoleão repor o calendário gregoriano (1805).
Não foi uma exigência dos mercados. Foi do Papa... para abençoar o Império.


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