"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A economia explicada ao povo

«- Pois sim; mas não deve meter-se a falar em coisas que não entende. As estradas não servem para nada? As estradas são meios de comunicação e... facilitam o... o... o tráfego comercial e aumentam por conseguinte a riqueza das nações... Porque o trabalho representa um capital... sim, senhores, mas... mas um capital... sim... um capital morto... quero dizr um capital que não vive... Quer dizer... sim... suponhamos: o crédito por exemplo... O crédito... sim... aí está o crédito... Pois que é o crédito?... O crédito é... é o crédito... depende de muitas coisas... Por outra, suponhamos... se nós não tivéssemos estradas... Uma suposição... Partamos de um princípio. A produção excede o consumo... Quero mesmo que o consumo exceda a produção... Sim, quero mesmo isso... Muito bem... Daí que resulta? Está claro que um desequilíbrio. E depois? Depois, boas noites... Não havendo estradas... Aí está que se diz por aí que a livre exportação, que tal, que sim senhores... mais isto, mais aquilo... Pois não é assim. É preciso que se atenda também às condições económicas dos povos. Sim... eu digo: o comércio deve ser livre... Muito bem... Em termos já se sabe... Mas... po comércio livre... a livre troca... entendamo-nos... É preciso clareza de ideias... Quando eu digo que... Ora suponhamos... suponhamos que não havia estradas. Os transportes eram mais difíceis e portanto mais caros... E se além disso os géneros forem escassos e... Diz vossemecê, para que servem as estradas? Ora diga-me uma coisa, Sr. Manuel, suponhamos que... os impostos indirectos... não precisamos de ir mais longe... os impostos indirectos... Sempre queria que me dissesse o que havia de fazer?
- Impostos, Deus me livre deles! - murmurou o lavrador, cujos instintos trepidaram à palavra "impostos".
- Isso também não é assim... Deus me livre! Não se diz Deus me livre, porque a riqueza... a riqueza... sim, a riqueza não está na terra... isto é, a riqueza está na terra... mas é preciso o capital para a exploração... Percebe?... Ou... suponhamos... por exemplo... Não... vamos cá por outro lado... Há um "deficit" num orçamentop... desce o preço das inscrições... Ora bem... Mas... suponhamos que há boas estradas, "et caetera..." A riqueza tende a aumentar... e... e... Enfim lá que as estradas são úteis, isso é que não tem questão.»
Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais

Cena do filme A Morgadinha dos Canaviais, de Caetano Bonucci (1949)
Na taberna, à esquerda, o "brasileiro" Seabra, a personagem do discurso económico

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