"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Jornalismo de matilha

No Público de 14 de Agosto passado, Paula Torres de Carvalho explicou o que era o jornalismo de matilha e os perigos que ele apresenta.

«Vai-se assistindo cada vez mais ao fenómeno do chamado "jornalismo de matilha" (pack journalism) na sociedade portuguesa. Os acontecimentos seleccionados como notícias são alvo de uma cobertura maciça por parte dos vários e distintos meios de comunicação social. Os jornalistas, em bando (ou seja, em matilha...) juntam-se nos mesmos sítios, às mesmas horas e para os mesmos acontecimentos marcados pelas mesmas agendas oficiais, entrevistam as mesmas pessoas e destacam os mesmos assuntos. Sem espírito crítico, sem um olhar próprio, copiam-se uns aos outros e escolhem o mesmo ângulo das notícias. (...)
A principal preocupação é dar mais depressa e não de forma diferente. Aliás, torna-se mesmo difícil contrariar esse espírito de "matilha", face à frequente resistência e desconfiança por parte das chefias, nada sensíveis a qualquer sugestão de se dar relevo a uma perspectiva diferente da que os outros media escolheram e já difundiram antes. O resultado é um produto final idêntico e uniforme para consumo de leitores de jornais, telespectadores e ouvintes de rádio.
Daí a prática frequente de "se copiarem" as versões de quem cabe noticiar os acontecimentos imediatamente ou em directo: a agência de notícias Lusa e as rádios e as televisões.
Nesta "correria" imposta pelo imediatismo e pela tirania do tempo, não se perde apenas a originalidade e o espírito crítico. Vão-se atropelando as mais elementares regras éticas e deontológicas do jornalismo.
(...) É uma dinâmica perigosa e gravíssima. Perigosa, porque os jornalistas, com o poder de assegurarem os direitos constitucionalmente consagrados de informar e de ser informado, tornam-se eles próprios instrumentos de interesses e de poderes estabelecidos. Grave, porque durante a correria, a "matilha" arrasta o bom nome das pessoas para a lama, não respeita a presunção da inocência e, sobretudo, não noticia a verdade. (...)
É sem dúvida um exercício difícil lutar contra a tirania do tempo nestes tempos dominados pela velocidade com que circula a informação. Mas há que fazer escolhas nesta guerra em que o jornalismo anda tão mal ferido pelo que aí se vai publicando em seu nome: ou se sobrevaloriza o sensacionalismo e a mentira, ou se opta por um jornalismo cívico e responsável.»

Quem melhor do que alguém do meio para falar do assunto?

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