"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 22 de junho de 2019

Final da Taça - comício contra a ditadura

22 de Junho de 1969: final da Taça de Portugal da época de 1968-1969, no Estádio Nacional.
Benfica - Académica.

Poucas semanas antes, os estudantes da Universidade de Coimbra, numa Assembleia Magna, tinham decidido fazer greve aos exames.
No primeiro dia de exames, a 2 de Junho, a GNR a cavalo cercou a Universidade de Coimbra. Houve, na cidade, a presença da chamada "Polícia de Choque", para além da PSP, PIDE e Polícia Judiciária. O ambiente foi de guerra urbana, com jipes com arame farpado à frente.
Os confrontos entre estudantes e forças policiais sucederam-se em alguns dos dias posteriores.

O jogo entre a Académica (Associação Académica de Coimbra - AAC -, equipa com fortes ligações à universidade e aos estudantes) e o Benfica transformou-se em palco de um comício contra o regime do Estado Novo.

O Ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva, avisara Marcelo Caetano que se preparavam manifestações para o Estádio Nacional.
Previa-se a possibilidade da equipa da Académica apresentar algum sinal de luto ou, mesmo, a de não comparecer ao jogo. No caso da primeira hipótese, o Ministro aconselhava a que não houvesse acções de repressão "porque qualquer intervenção repercutiria em todo o público". Caso a equipa se recusasse a jogar, propôs que se reservasse uma outra equipa (a do Sporting, que a Académica eliminara nas meias-finais), "para que os espectadores não tenham excessiva razão de protesto."

A RTP, ao contrário do que já acontecia na época, não transmitiu o jogo, sob o pretexto de que a Federação Portuguesa de Futebol pedira muito dinheiro para essa transmissão.
Ao contrário da tradição, o Presidente da República não assistiu ao jogo.

Os jogadores da Académica entraram no relvado com as capas aos ombros, em sinal de luto, e num passo lento.
Apesar de toda a vigilância policial, nas bancadas, estudantes distribuíram comunicados da Associação. No intervalo, foram mostradas faixas com palavras de ordem.




O Benfica ganhou o jogo no prolongamento, com um golo marcado por Eusébio.
Não se concretizou a forma de celebração que os estudantes tinham pensado... em caso de vitória.

Há a curiosidade de o Marquês de Fronteira, D. Fernando Mascarenhas, ter apoiado os estudantes de Coimbra, disponibilizando o seu palácio, em S. Domingos de Benfica, para poderem pernoitar.
O presidente da Secção Social da AAC, Carlos Santarém, aceitou essa oferta, na noite após o jogo, e foi com vários estudantes, nomeadamente membros da Direcção-Geral da AAC.
«Dormimos numa sala de música. Aquilo estava cheio de gente. Havia dezenas largas de pessoas a dormir lá, no chão ou nos sofás. De manhã, às tantas, abriram a porta da sala e entraram senhoras com café com leite. Lá tomámos o pequeno-almoço.»


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