"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Sou rico e não sabia!... ou Como se abusa dos dados

Ao ver a notícia na televisão, a minha mulher quis saber onde é que eu ando a gastar o dinheiro e insiste em contratar um detective!


Da autoria de Paulo Serra - aqui
O relatório anual Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), afirma que, em comparação com os restantes trabalhadores nacionais que têm cursos superiores, os professores auferem um salário 35% mais elevado. 
Não sei como é que as contas são feitas.
Tratando-se de Docentes da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, falar em professores, indistintamente, é falar de professores que tanto podem ter um vencimento bruto de pouco mais de mil euros (1.145€), contratado (licenciado não profissionalizado) com horário completo, como um vencimento bruto de 3.364€, professor no topo da carreira.

São dois níveis muito distintos. O relatório refere esta diferença: "No 2.º e no 3.º ciclo, no início da carreira, os professores portugueses recebem menos 240 euros anuais do que a média dos países da organização."

E dos docentes que estão no início da carreira, a grande maioria não chegará ao topo - poderá, até, ficar longe! 

Porque...
... ao contrário do que geralmente se diz, para os professores progredirem na carreira não basta o tempo de serviço. Para além da avaliação no final de cada escalão, há duas transições de escalão que exigem uma avaliação de Excelente ou de Muito Bom e a possibilidade de atribuição dessas classificações está dependente de quotas muito apertadas.

... a dificuldade de entrada na carreira, a juntar à não contagem de anos de tempo de serviço (os tais 9 anos, 4 meses e 2 dias que estiveram congelados e que o Governo não quer - diz que não pode - contar), não permite que muitos professores, mesmo que com as tais boas classificações na sua avaliação, possam chegar, em "tempo útil" de serviço, ao último escalão.

Outra questão são alguns números do vencimento.
Mesmo que estejam no topo (10.º escalão) e mesmo que recebessem por inteiro o vencimento ilíquido (o que não acontece, porque a chegada ao 10.º escalão só se pôde fazer agora, após o descongelamento das carreiras, e o ordenado ainda não foi reposto na totalidade - só em dezembro de 2019), o total anual nunca chegaria aos 56 mil euros anuais que são referidos no relatório:
"quando os docentes chegam ao topo da carreira: 56.401 euros por ano [dos professores portugueses] contra os 51 mil de média da OCDE."
3.364€ brutos x 14 meses (já contando os subsídios) = 47.096€
Sempre é uma diferença de 9.000€.
São 9.000€ por uma mentira, repetida na comunicação social (como outros valores), onde ninguém confirma a informação. Estão comprados ou são incompetentes?

Pode ser verdade que, em média, os professores ganhem mais do que os outros licenciados - haverá muitos licenciados que são mal pagos e, havendo um elevado número de professores com mais idade (no conjunto de escalões mais elevados), isso criará a discrepância.
Mais do que professores com ordenados altos, haverá, então, licenciados com salários muito baixos!
Mas... caramba! Gestores, juízes, arquitectos, engenheiros, advogados, deputados, professores do ensino superior, médicos, comentadores de televisão, etc. 
35%?!?!

Na comparação com os professores dos outros países, o relatório reconhece que "os professores portugueses ganham menos do que a média dos seus colegas dos outros países que pertencem à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)", situação que se acentua quando se tem em conta o custo médio de vida.

Quanto ao número de horas que os professores passam na escola, não consigo compreender como se chega àqueles números relativos aos professores portugueses (e dos outros não sei).

Mas o relativo baixo número de horas da componente lectiva (vão-se reduzindo a partir dos 50 anos de idade) é mesmo relativo e pela relativa velhice do quadro docente. A diferença é mínima em relação aos dos outros países (42% do horário de trabalho para 44%). Eu, aos 60, já saio muitas vezes de língua de fora! E gostaria muito que as pessoas que dizem que os professores "só dão umas aulinhas" experimentassem o mesmo exercício.
Em compensação, horas de reuniões, elaboração de planos, preenchimento de papéis, redacção de relatórios, etc. não nos faltam! Devemos ser os maiores!...

Quando, no fim disto tudo, penso que a Cristina Ferreira pode ganhar um milhão por ano...
E os outros que dão chutos na bola...


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