"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Livrarias mesmo livrarias ameaçadas


Leio a notícia de que a "velha" Livraria Ulmeiro, na Av. do Uruguai, em Benfica, pode fechar as suas portas brevemente.
É uma notícia quase inevitável.
A lei do mercado - dos mercados - dos nossos dias não deixa grandes saídas para as antigas livrarias que, num passado que nos parece já distante - os anos 70 antes de 74 - foram espaços de cultura e de resistência à ditadura. Eram balões de oxigénio.
Os proprietários dessas livrarias eram (são) amantes de livros e sonhadores de sociedades em que a cultura é o centro à volta do qual se desenvolve uma vivência, uma forma de ser/estar, se constrói um mundo diferente.
Manter essas livrarias, como a Ulmeiro ou a Galileu (Cascais), para falar nas que conheço melhor por ficarem mais próximas das casas em que vivi ou vivo, foi um serviço público, um exercício de cidadania e de teimosia (de resiliência, como agora se diz), sempre com aquele sonho no horizonte.
As leis do dinheiro que regem os nossos dias não se compadecem com utopias, acham-nas uma coisa espúria, e são duras para com quem visiona outras realidades.
As grandes superfícies e os grupos editoriais que se organizaram e dominam o mercado impõem a lei do mais forte e estrangulam quem não se adapta ou não se quer deixar vencer pelas suas regras. A nova lei do arrendamento aperta o nó, apressando o desenlace.
Essas livrarias, que já tinham uma vertente de alfarrabista, deixam de ser verdadeiramente livrarias para passarem a ser apenas alfarrabistas (e, às vezes, antiquários), mas não sendo essa a sua vocação primeira, não tendo o negócio como fito - lembremos o amor aos livros, não o lucro que se pode fazer com eles, e o gosto pela tertúlia, espaço de convívio cultural -, os seus proprietários revelam dificuldade em "reconverterem-se" ou recusam-se a fazê-lo, por princípio ou, até, pela idade e pelo acumular de desilusões da utopia que todos os dias se desfaz.
Desejo que a Ulmeiro sobreviva - foram várias as compras que lá fiz e gosto sempre de voltar ao meio da desarrumação das pilhas dos livros, qual explorador de tesouros... - e que o Salvador possa continuar a fazer as suas sonecas entre os livros ou sobre eles.
Mas, sem querer ser agoirento, parece-me tratar-se de uma história com um fim (triste) anunciado.
Restarão, depois, as lamentações pelo sucedido e a saudade de mais um espaço de cultura transformado em memória. Uma imensa memória...



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