"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

domingo, 7 de setembro de 2014

Dúvidas explícitas

Houve uma "revisão metodológica" introduzida pelo Sistema Europeu de Contas, com implicações no cálculo do PIB, em resultado das fontes consideradas e do tratamento dos seus valores.
As alterações têm um impacto positivo estimado em cerca de 5 mil milhões de euros, o que se reflecte num crescimento de 3% do PIB no ano base de 2011, assim reavaliado em alta.

Entre os principais contributos para esse crescimento estão a capitalização das despesas de investigação e desenvolvimento (sempre vale a pena investir aí!).
Segundo o INE, a inclusão explícita das actividades ilegais, como o tráfico de droga e a prostituição, contribuiu com 629 milhões de euros.

Ao lermos isto podemos pensar... muitas coisas, nomeadamente que todos estes sistemas de contas são artificiais, constituindo um jogo cujas regras se podem mudar a qualquer momento, de acordo com as correntes de pensamento dominantes, as ideologias, os interesses. Se os resultados não são os esperados, mudam-se as premissas e lá se chega.

E ao ler esta inclusão explícita das actividades ilegais, questiono como é que aquilo que é ilegal pode integrar um "quadro" legal. Fico, também, na dúvida se isso nos deve levar a querer estimular essas actividades, em nome do progresso económico, claro!

Façamos um "supônhamos": atendendo a esse objectivo, deve-se intensificar o combate ao tráfico de droga ou, pelo contrário, impulsionar esse tráfico com medidas de apoio? Prender os traficantes não será uma acção de boicote ao crescimento económico? Ou porque não se faz uma parceria público-privada entre a polícia judiciária e uma empresa, com esta última a vender a droga apreendida pela primeira, com ganhos para o Estado? Já se imaginou essa venda com uma taxa de 23% de IVA?
Não deveremos considerar os traficantes como empreendedores e convidar os principais a participar nas conferências, seminários e outras iniciativas em que se exalta o valor do empreendedorismo?
A comunicação social não deveria desenvolver um conjunto de programas visando melhorar a imagem dos traficantes, dignificar a sua acção e elucidar o público sobre uma actividade que tem as suas dificuldades específicas e um grau de risco elevado?
Imaginar uma campanha publicitária: "Ser traficante - uma profissão com futuro". Uma janela de oportunidades.
O Presidente da República não deveria medalhar os traficantes que se distinguissem pelo seu contributo para a recuperação da economia?

Nem me adianto a fazer o mesmo "supônhamos" para a prostituição!


Resta-me ainda a dúvida: como é que se consegue calcular o valor dessas actividades?
Gostava de saber que cálculos são feitos para chegar a esses valores...


Sem comentários:

Enviar um comentário