"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Escritores intervenientes (questionar o sexo dos anjos)

"A cantiga é uma arma!"
As palavras são armas.

Na revista Ler de Março, Eduardo Pitta questionava a geração de escritores/ficcionistas portugueses nascidos entre 1967 e 1978 (muitos e conhecidos) a propósito da quase nula referência (ou reflexo das) às problemáticas sociais actuais nas suas obras - a sua "aparente abulia política".
«Gostava de saber o que pensam da falácia europeia, do desemprego sem freio, do empobrecimento geral, dos direitos das minorias, do arbítrio das agências de notação financeira, do diktat da Goldman Sachs, enfim, do retrocesso que tudo isto representa. Não vem longe o dia em que hordas de desempregados vão organizar-se em milícias, como já sucede em Atenas (não é inocente que a capital grega tenha desaparecido das televisões), e nesse dia ninguém vai querer saber do sexo dos anjos para nada.»
E recordava a história da Sociedade Portuguesa de Escritores, encerrada pelo poder político do Estado Novo com a sede destruída pela PIDE, em 1965, história contada por José Gomes Ferreira nos seus diários (Dias Comuns).
Quando os mais novos se parecem alhear da realidade - e ficam pela observação do sorriso das vacas, o sexo dos anjos - são os cotas, cuja memória feita de experiência apura a consciência cívica, que saem "à luta".
Nos encontros das Correntes d' Escritas, onde se "grandolou", Hélder Macedo afirmava que o actual Governo era "o mais estúpido de sempre".
Nuno Júdice editou A Implosão, livro que «nasceu do vazio que havia na literatura em relação a este mundo actual. (...) Esse vazio levou-me a escrever e a lembrar-me de outros períodos da nossa literatura em que o escritor também teve esse tipo de intervenção. O Manuel Alegre falou, a propósito d'A Implosão, no Guerra Junqueiro do Finis Patriae. Mas há mais: o Eça de Queirós quando escreveu A Batalha do Caia que depois não publicou por receio, ou o Aquilino Ribeiro do Quando os Lobos Uivam, ou o Raul Brandão que para mim é uma referência importante. Os livros dele nunca são neutros em relação à realidade.»
E nem referiu os neo-realistas, politicamente mais "marcados".
Alberto Pimenta lançou o ácido de nada.
Mário de Carvalho teve hoje direito a destaque na capa do Jornal de Negócios.
Não está tempo para o sexo dos anjos.


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