"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

Morreu Vitorino Magalhães Godinho.
Nome grande da historiografia portuguesa, pensador, cidadão interventivo, duas vezes afastado do ensino pelo salazarismo, duas vezes exilado em França.

Foi o criador do conceito de "complexo histórico-geográfico" para estudar realidades díspares com estruturas sociais e económicas específicas. A sua expansão descobre as várias expansões que coexistiram: a das conquistas, a da colonização, a das campanhas comerciais.

Para VMG, fazer história e intervir civicamente caminhavam a par e passo.
«Voltarmo-nos para o passado destina-se, em primeiro lugar, a enriquecer a nossa experiência, enriquecê-la em contacto com as múltiplas e variadíssimas experiências de todos os homens de todos os tempo e de todos os lugares. É, por outro lado, a fim de responder às inquietações e perplexidades que nos assaltam e que põem em causa o cerne de nós próprios, condicionando as opções do nosso porvir. (...) Para nós a História é a maneira de bem pôr os problemas de hoje graças a uma indagação científica do passado virada para a preparação dos tempos vindouros. (...)
Tarefa urgentíssima, e das de maior alcance nacional, é abrir o nosso país a todos esses intensos movimentos da cultura actual que percorrem o mundo, e organizar a investigação dos problemas portugueses em moldes de fanqueza e objectividade, de modo a que todos nós, na consciência e dignidade da cidadania, estejamos aptos a trabalhar no inadiável desenvolvimento económico que permita assentar uma sociedade onde não grite a injustiça e que a todos dê iguais oportunidades e de todos exija iguais responsabilidades, estruturada em torno da autonomia da pessoa. (...) viver a pleno entusiasmo de uma permanente creação ao serviço de todos os homens.»
Prefácio à 1.ª edição de Ensaios, vol. II
(Setembro de 1968)

Rigoroso e exigente, manifestava a sua desilusão sobre o caminho sobre o caminho seguido por Portugal e, mais tarde, também pela Europa e pelo Mundo.
Ministro da Educação entre Julho e Novembro de 1974, saiu desiludido por considerar que "não se podia fazer nada de sério". Mesmo em relação à fac. Ciências Sociais e Humanas da Un. Nova de Lisboa, que ajudou a fundar, saiu com o sabor amargo de quem não conseguiu fazer vencer o seu projecto.

Em relação ao ensino, pensava, nos últimos anos, que a História era desvalorizada.
«Totalmente. Os programas de História do Ensino Secundário são perfeitas aberrações. Não há sentido do que é a História e de como ela deve pôr problemas não só sobre o passado mas também sobre o homem de hoje. Prefere-se falar em conceitos, o que está totalmente errado. Quando se fala de maus resultados dos alunos, eu digo que não compreendo é como alguém aprende alguma coisa com estes programas. Se o fazem são autênticos heróis. Por outro lado, os jovens são despropositadamente infantilizados. Evita-se tudo o que seja esforço, quando as crianças e jovens gostam de desafios e de superar dificuldades.»
Entrevista ao JL, 17 de Junho de 2008

Dos políticos, pensava que «são sobretudo ignorantes. Eles próprios não receberam formação cultural e resistem a ela como a qualquer coisa que não se domina.»

«Hoje só interessa o imediato e, como tal, as pessoas ignoram tudo o que se tenha passado há mais de 5 anos. Grande parte dos economistas de hoje não sabem como era a Economia das décadas de 1970 e 1980. Mas para haver responsabilidade tem de haver um equilíbrio entre o que vem de trás, o que recebemos e aquilo que podemos fazer. Não é a novidade pela novidade.»
Entrevista ao JL, 17 de Junho de 2008


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