"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Fraude de origem divina?

O Expresso confirma que Deus exortou um pastor a criar uma criptomoeda. Este deve querer, agora, imputar a responsabilidade do caso a Deus.


O pastor terá pensado que Deus, sendo Deus, raramente tem dúvidas e nunca se engana, mesmo tratando-se de finanças. 

Já Jesus Cristo, a acreditar em Fernando Pessoa, não sabia nada de finanças.
Está acima de qualquer suspeita.


quarta-feira, 30 de julho de 2025

Fernando Vale - 125 anos

A arrumar papéis, encontrei umas páginas guardadas do Público de... 30 de Julho de 2000.

Motivo, o centenário do nascimento do "homem de Coja", o médico Fernando Vale, um dos fundadores do PS. 

Da releitura do texto retenho «O desígnio do próximo século XXI, na sua perspectiva, deve ser o da fraternidade e não vê que haja essa vontade na direcção do seu partido. Considera-a demasiado enredada na teia dos pequenos poderes, que secretam um poder institucional tentacular, que a prazo se torna impossível controlar. Constituem-se num estado dentro de um Estado, este sucessivamente enfraquecido, sem capacidade de traçar rumos. Aponta para o caso das misericórdias. Na sua opinião este caminho é o da caridade, não o da fraternidade.»

«Um primeiro-ministro tem que ter cultura, formação humanista, não pode ser um técnico de contas (...). Sem isso não há governo, não há perspectiva política nem de ideias. Há só governação.»

Era a lucidez aos 100 anos. Hoje faria 125!

Fernando Vale viria a falecer em Novembro de 2004.


domingo, 27 de julho de 2025

Os "Índios da Meia Praia"

A morte de Nuno Portas, arquitecto fundador do projecto SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local), relacionado com a construção de habitação social no período do PREC, fez lembrar as acções urbanísticas iniciadas entre 1974 e 1976, ano em que o projecto passou para a alçada das autarquias e perdeu a dinâmica inicial.

No seu âmbito, foram construídos 76 bairros e conseguiu-se o envolvimento de 42 mil famílias. 

Um dos bairros construídos, e que uma canção tornou famoso, foi o Bairro 25 de Abril, em Lagos, mais conhecido pela comunidade dos “Índios da Meia Praia”. 

É a construção desse bairro pela comunidade piscatória que José Afonso canta. 



Nuno Portas (1934 - 2025)


Para obviar à memória cada vez mais curta dos viventes, a morte de Nuno Portas é apresentada como a morte do pai de Miguel e de Paulo Portas (esperando eu que o Miguel ainda esteja em muitas memórias). Falta a referência à Catarina...

Numa sessão de homenagem a Nuno Portas, na Cooperativa Árvore (Porto), a 8 de Outubro de 2004, afirmou Nuno Teotónio Pereira, outro grande arquitecto já desaparecido: 

«Falar de Nuno Portas é de facto para mim, uma pesada responsabilidade, por temer ficar aquém do que é a sua figura e do que devemos ao seu trabalho e à sua maneira de estar, de pensar e de agir. Mas é também gratificante pelo que intensamente fizemos juntos e pelo que temos aprendido um com o outro.

(...)

Mas é aqui que julgo ser necessário acrescentar mais alguns dados a respeito da sua personalidade: a insatisfação permanente face aos objectivos alcançados, aliada a uma extraordinária capacidade de trabalho, que o levam a aprofundar sempre os estudos já desenvolvidos; a coragem em contrariar, de peito aberto, ideias feitas e conclusões simplistas ou redutoras, o que o expõe com frequência à controvérsia; a necessidade de partilhar e comunicar, abrindo constantemente frentes de debate e discussão, sacudindo a inércia das instituições e abrindo caminho a novos horizontes. Finalmente, a firmeza das suas convicções, que resulta de um confronto constante com realidades escondidas ou contraditórias, mas que se lhe impõem como norma de conduta através da profundidade do seu pensamento e dos fundamentos do seu saber.»

Após o 25 de Abril de 1974, Nuno Portas foi Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, tendo uma acção importante no lançamento de programas de realojamento condigno das populações urbanas mais carenciadas, nomeadamente através do projecto SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local), e no reenquadramento da função política e social da arquitectura no desenho da cidade.

As ideias que então teve oportunidade de concretizar já as houvera apresentado no Colóquio Nacional de Habitação, que decorreu em 1969, no Ministério das Obras Públicas.

É muito interessante todo o seu trajecto enquanto urbanista, intimamente relacionado com uma visão  sociológica e filosófica muito coerente. 

E quando a habitação é um problema central na sociedade actual, penso na falta que faz a existência de gente deste calibre, com a sua visão e a sua capacidade de intervenção partilhada, com ideias para realmente ajudar a resolver o problema.


terça-feira, 22 de julho de 2025

Eu juro que nunca vi nada!


Devo ter estado demasiados anos na mesma escola.

Podia ter vivido outras realidades...

Entretanto...

A Bolsa de Lisboa acabou o dia em quebra.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Educação - O Estado da Nação

Abençoado o país que tem como principais problemas na Educação a formulação das aprendizagens essenciais de Cidadania e a utilização dos telemóveis na escola.


Voltar à moral sexual do Estado Novo?

Primeiro, na disciplina de Cidadania, depois...

Nas próximas "reformas" educativas, para responder ao mal-estar de dois chefes de família, teremos o regresso das aulas de Religião e Moral obrigatórias, leccionadas pelo pároco da freguesia ou por freiras do convento mais próximo, o crucifixo e o retrato do Chefe do Estado ou do Governo voltarão às paredes das salas de aula, o hino nacional será entoado no início de cada aula e haverá lugar a uma missa campal em todas as escolas, no princípio do ano lectivo, para abençoar os alunos no regresso às aulas.

Nada que tenha "amarras dos projetos ideológicos"!


E que a sociedade também recue ao passado!

Que regresse a censura: os filmes não poderão projectar cenas de beijos fogosos, decotes ousados e diálogos em torno da emancipação feminina ou da homossexualidade. Canções com estrofes inspiradoras do desejo serão proibidas de soar na rádio e na televisão. As prateleiras das livrarias com obras que falem da contracepção, do prazer sexual e de outros temas da intimidade afectiva serão derrubadas.

O Código Civil deve voltar a incluir o imperativo da virgindade feminina à data do casamento (artigo 1636.º do Código Civil de 1966).

As três Marias voltarão a ir a julgamento... 


terça-feira, 15 de julho de 2025

Como diz o provérbio: O crime não ocupa lugar!

Do saber já não se diz o mesmo...

O JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, parece estar à beira de acabar.

«Coloca-se, agora, a hipótese do fim do Jornal de Letras. Haverá um novo número a sair nesta próxima quarta-feira, mas não parecem estar garantidas condições para continuar a publicar. A situação da Trust in News não está a permitir cumprir obrigações com os funcionários.
O JL é património da cultura nacional. Uma resistência admirável que tem na figura de José Carlos Vasconcelos um bravo que nos merece o maior respeito e admiração.»
Valter Hugo Mãe

«Durante estes meses houve falta de tudo. Faltou luz, revisão, pessoal, papel, servidor, distribuição, dinheiro, vergonha na cara. Quase tivemos de esculpir os textos no ecrã do computador com uma faca afiada, tal a precariedade dos meios.»
Manuel Halpern (JL)

Na comunicação social, quem não trata de crimes vai à vida!...

Caímos numa época de bestialidade.


domingo, 13 de julho de 2025

Live Aid - há 40 anos

A 13 de Julho de 1985, teve lugar o Live Aid organizado por Sir Bob Geldof e Midge Ure para angariar fundos para o combate à fome na Etiópia. 

Cerca de 40% da população global assistiu aos concertos que decorreram em Wembley (Londres) e no JFK (Filadélfia) e que foram transmitidos para todo o mundo numa das maiores ligações por satélite de sempre.

Durante 16 horas prevaleceu o espírito solidário que uniu milhões de pessoas por uma causa.

Hoje, não vejo como possível a realização de um evento com estas características. Como escreveram os U2: From Live Aid to Kill Aid.

Is This the World We Created?


Perante o curso inimplorável das coisas

Dia 30 de Agosto do longínquo ano de 2022:


Sobre esta demissão, pronunciou-se Miguel Pinto Luz em nome do PSD:


E agora?


Dias superfelizes com aviso de dias superinfelizes

«Este é um dia superfeliz, mas há dias superinfelizes. E verdadeiramente superinfeliz para si será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que eu acho que deve ser. Nesse caso não lhe perdoo. Espero que esse dia não chegue, mas estarei atento para o caso de chegar.»

Era assim que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 4 de Novembro de 2022, se dirigia à Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.


Não sei se o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse o mesmo ao Ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz.


Um Presidente da República desatento e verdadeiramente superinfeliz.
  

sábado, 5 de julho de 2025

General Garcia dos Santos (1935-2025)

«Não há nenhuma operação militar que tenha êxito se as transmissões não funcionarem. E felizmente as transmissões funcionaram bem.»

Quem o disse foi o General Garcia dos Santos, Tenente-Coronel à data do 25 de Abril de 1974, acontecimento em que foi o responsável pelas transmissões, a sua área de eleição nas Forças Armadas e de que era professor na Academia Militar.

Garcia dos Santos faleceu ontem, com 89 anos.

Tendo começado a participar nas reuniões do MFA a convite de Fisher Lopes Pires, elaborou o "anexo de transmissões" - todo o plano de transmissões, por telefone e rádio, do posto de comando da Pontinha com todas as forças militares - depois de Otelo Saraiva de Carvalho lhe ter passado a "Ordem de Operações" no dia 15 de Abril.

O seu "anexo de transmissões" foi distribuído, a 23 de Abril, aos oficiais que participaram no golpe.

«Uma das mais importantes acções então adoptadas foi a colocação [em tempo recorde] de um cabo telefónico entre o Regimento de Engenharia na Pontinha, local escolhido para posto de comando e o Serviço de Telecomunicações Militares, o que permitiu aos revoltosos escutar os contactos estabelecidos entre as forças que apoiavam o regime (PIDE/DGS; Legião Portuguesa, GNR; PSP) e as comunicações entre membros do governo e as chefias militares nos dias 24 e 25 de Abril, o que constituiu uma importante mais-valia para o sucesso do golpe.»

Foi um dos "Nove", estando envolvido no plano operacional do 25 de Novembro - novamente as transmissões -, coordenado por Ramalho Eanes, de quem foi chefe da Casa Militar.

Desempenhou ainda vários cargos políticos e militares até ao final do século XX. Demitiu-se do Conselho das Ordens Nacionais, órgão que funciona na dependência do Presidente da República, em ruptura com Cavaco Silva quando este era Chefe do Estado, acusando-o de ser uma "nulidade completa". 


segunda-feira, 23 de junho de 2025

O dia em que "os moradores da cidade costumam fazer uma grande festa"

Fernão Lopes, a quem pertence a citação do título, referia-se aos moradores da cidade do Porto.

«Alguém sabe explicar muito bem como é que de São João Batista, um anacoreta que viveu longos anos retirado nas agruras do deserto, onde jejuava frequentemente ou se alimentava somente de gafanhotos e mel silvestre, e a quem Herodes, a pedido de Salomé, mandou cortar a cabeça, como é que, perguntava eu, de um personagem tão austero se fez um santo galhofeiro, pimpão, amorudo e, até, brejeiro?

Do que não há dúvida é que o povo o colocou no mais alto lugar do altar do seu coração e é à sua custa, ainda, que o mesmo povo lhe faz danças, acende fogueiras, enche e lança balões, se desalinha em cantigas e perde uma noite inteira desfraldando ao vento as bandeiras da folia, que, neste caso, são o alho-porro e o manjerico da tradição. 

Sabemos todos que os festejos ao São João, em 24 de Junho, andam profundamente ligados ao solstício de verão (...) Uma celebração muito antiga que tinha como motivos principais o sol, o fogo, a água e as colheitas.

E sabemos também como o cristianismo soube (...) transformar as antigas festas pagãs em cerimónias cristãs. É assim que São João Batista aparece como padroeiro das antigas celebrações em honra do sol, do fogo e das colheitas.»

E na cidade do Porto, na grande festa que se realiza "no meio de grande animação e entusiasmo desabrido" (Fernão Lopes), o sítio das Fontainhas são «assim uma espécie de Meca, para onde, todos os anos, em Junho, na noite de 23 para 24, convergem os devotos da paródia a prestar culto ao mais rapioqueiro de quantos santos há na corte celestial.» 

As peregrinações dos foliões começaram em 1869, quando «uma comissão de moradores do sítio tomaram a iniciativa de construir, junto ao chafariz, uma enorme cascata e à volta dela montaram tendas em que vendiam cabrito assado no espeto, com arroz de forno, arroz-doce, aletria e ainda vinho, café quente, pão com manteiga e aguardente.»  

Germano Silva, Porto - Viagem ao passado e Passeios pelo Porto de outros tempos


Nunca vi o Mundo tão tranquilo!


Parece que os paquistaneses têm um proverbial sentido de humor...


Outro com a mania da raça!

Há primeiros-ministros com queda para a raça - o dia da raça no pós-25 de Abril, a raça lusitana...

Foge-lhes o pé para a chinela!...


 

Preferia a minha turma do Secundário

O nosso país, os outros países ou os países dos outros doidos...

Como o Mundo está, preferia a minha turma do Secundário em todo o lado!


domingo, 22 de junho de 2025

Blue

22 de Junho de 1971

Blue



Blue, there is a shell for you
Inside you'll hear a sigh
A foggy lullaby
Thеre is your song from me


domingo, 15 de junho de 2025

Ensino - (o meu) fim de linha

Depois de mais de 42 anos de ensino, com o aproximar do fim do último ano lectivo, pensava como iriam ser as minhas últimas aulas na escola que conheço há quase 40 anos.

Procurava antecipar o que iria sentir quando, depois dos alunos terem saído, fechasse a porta da sala de aulas pela última vez.

Ficou tudo pelo pensamento!
Uma virose - covid de quarta ou quinta categoria! - obrigou-me a faltar nos últimos dias do ano lectivo.

Fernando Henrique Cardoso, antigo Presidente do Brasil, sociólogo, dizia que "Na História, quando se pensa que acontecerá o inevitável, ocorre o imprevisto."

Sobre o dia em que a vontade dos miúdos é, fundamentalmente, entrar no modo de férias - e a dos professores não lhes é contrária! -, tenho a vantagem de poder continuar a conjecturaad aeternum todas as formas possíveis dos actos de encerramento da aventura docente. Sem que a natural agitação juvenil prejudique as "cerimónias"...

Não que isso figure nas minhas preocupações - o caminho está feito!
Estou no final do prazo de validade!



quarta-feira, 11 de junho de 2025

Atribulações de um Dia de Portugal

Em Dia de Portugal, há quem deite os corninhos ao sol (e não é por bom motivo).

Um grupo associado à extrema-direita agrediu o actor Adérito Lopes, do grupo teatral A Barraca.

Confesso que, para mim, foi um choque! Um sinal que "as coisas" estão a andar muito depressa.

Do que li (Público online de hoje), esse grupo pertencerá a uma organização internacional com representação em Portugal e pelo menos um dos autores do ataque aos actores d’A Barraca esteve envolvido na morte de Alcindo Monteiro, um português de origem caboverdiana, agredido no dia 10 de Junho de 1995 e que viria a falecer dois dias depois.

A referência a esse grupo - "Sangue e Honra" - faria parte do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) relativo a 2024, relatório esse que foi truncado pelo menos em sete páginas, nas quais se tratava dos problemas de segurança pública provocados por estes grupos de extrema-direita e pelo terrorismo (há quem refira o grupo "Reconquista").

Vários partidos querem o debate sobre o RASI, continuando à espera da explicação para o apagamento desse capítulo - por que razão não aparece na versão oficial que chegou ao Parlamento.


Entretanto, Xeque David Munir, o imã da mesquita de Lisboa, foi insultado no Encontro Nacional de Homenagem aos Combatentes, em Belém, para o qual foi convidado oficialmente, o que acontece desde 1995.

Os insultos partiram de um grupo que fazia a saudação nazi.


À margem das ideologias políticas, mas fruto da época, da banalização da violência, um grupo de cinco adeptos do F.C. Porto foi atacado no interior de uma viatura em que foram introduzidos engenhos incendiários, por um grupo de adeptos(?) do Sporting, após o jogo de hóquei em patins entre as duas equipas. 

Resultaram dois feridos graves e três ligeiros.


Entretanto, em relação ao discurso de Lídia Jorge nas comemorações oficiais em Lagos, há uma clara divisão nos poucos locais que frequento nas redes sociais: altamente elogiado por uns, deitado abaixo por outros (geralmente em mau Português e por muita gente que não compreendeu literalmente o discurso, pelo que os dislates são muitos). Sobretudo, não entenderam a menção à inexistência de "portugueses puros" - se os bisavós são de Freixo de Espada à Cinta, que é lá isso de não ser um português puro?...

Alegra-me que nos sítios que frequento o apreço pelo discurso saia largamente vencedor. Mas esse não será o registo em todos os lados. Não verifiquei: há locais a que não me chego, sobretudo por uma questão de sanidade mental. Campeia por aí uma grande indigência mental. 

Citando Lídia Jorge: «A cultura digital subverteu a regra de exemplaridade, o escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende. 

Um Chefe de Estado de uma grande potência, durante um comício, pôde dizer: "Adoro-vos! Adoro os pouco instruídos." E os pouco instruídos aplaudiram.»

 Desejo-vos melhores dias.


Brian Wilson (The Beach Boys)

Morreu o fundador e alma dos The Beach Boys, o homem dos Pet Sounds.


God only knows 


terça-feira, 10 de junho de 2025

Seguidores de ídolos fantasmas

«Nos dias que correm, trata-se do surgimento de um novo tempo que está a acontecerá escala global. Porque nós, agora, somos outros.

Deslocamo-nos à velocidade dos meteoros e estamos cercados de fios invisíveis que nos ligam para o espaço. (...) O poder demente aliado ao triunfalismo tecnológico faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a Terra redonda é disputada por vários pescoços em competição, como se, mais uma vez, se tratasse de um berloque.

E os cidadãos são apenas público que assiste a espectáculos em écrans de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas.»

Do discurso de Lídia Jorge nas cerimónias do 10 de Junho de 2025 



Sem cor de virtude

«[Camões, Shakespeare e Cervantes] Procederam à anatomia dos dilemas humanos e entre eles os mecanismos universais do poder. Corpus que continua válido e intacto até aos nossos dias. Sobre o poder grandioso, o poder cruel, o poder tirânico, o poder temeroso e o poder laxista. 

No caso de Camões, de que se queixa ele quando interrompe o poema das maravilhas da História para lembrar a mesquinha realidade que envenenava o presente de então? 
Queixava-se da degradação moral, mencionava o vil interesse e "sede i[ni]miga" do dinheiro que a tudo nos obriga e evocava, entre os vários aspectos da degradação, o facto de sucederem aos homens de coragem, que tinham enfrentado o mar desconhecido, homens novos, venais, que só pensavam em fazer fortuna.
Mais do que isso, queixava-se da subversão do pensamento, queixava-se da falta da sociedade intelectual que resultava depois, na prática, na degradação dos actos do dia a dia.»

Do discurso de Lídia Jorge nas cerimónias do 10 de Junho de 2025 



A bordo de "Os Lusíadas", por 40 apeadeiros

Em Dia de Camões, no Ano em que comemoram os 500 anos do seu nascimento (a ter sido, de facto, em 1525!), o Público edita uma "proveitosa travessia" que sintetiza Os Lusíadas em 40 episódios - os 40 apeadeiros - com cativantes recursos gráficos* e transcrição de passagens.

Os Lusíadas com paragem em 40 apeadeiros

Trabalho de Luís Miguel Queirós, Francisco Lopes e José Alves 


* Ilustrações: Alfredo Roque Gameiro (1864-1935) e Manuel de Macedo (1839-1915) 
na Grande edição ilustrada/revista e prefaciada pelo Dr. Sousa Viterbo



quarta-feira, 4 de junho de 2025

Eduardo Gageiro (1935 - 2025)


Foi um dos fotógrafos do 25 de Abril de 74 - "a reportagem mais importante da minha vida".
Já antes se tinha destacado pelo seu trabalho, quando fotografava as pessoas humildes, embora o poder preferisse que ele fotografasse as paisagens bonitas. Por isso chegou a ser preso.


O regime também não teria gostado do que fotografou no dia 25 de Abril e nos que se seguiram...



As deposições na sede da PIDE

Obrigado ao Mestre!


terça-feira, 3 de junho de 2025

Pierre Nora (historiador), 1931 - 2025

E vão desaparecendo os historiadores que marcaram a minha entrada no curso de História, ou seja, a minha descoberta da História, com tudo o que nisso havia de novidade, de deslumbramento.

Pierre Nora faleceu ontem, aos 93 anos. Ligado à Nova História (L'Histoire Nouvelle), é dele e de Jacques Le Goff a direcção de Fazer História (1974), com edição em Portugal pela Bertrand, em 3 volumes, entre 1977 (quando entrei na faculdade) e 1987 - custa a editar!*

Era a História Nova que esses historiadores queriam apresentar, na senda da escola dos Annales de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel.


«A novidade parece residir em três processos: novos problemas põem em causa a própria história; novas contribuições modificam, enriquecem, transformam os sectores tradicionais da história; novos objectos, enfim, aparecem no campo epistemológico da história.

O que obriga a história a redefinir-se é, antes de mais, a tomada de consciência, pelos historiadores, do relativismo da sua ciência. Não é o absoluto dos historiadores do passado, providencialistas ou positivistas, mas o produto de uma situação, de uma história. Este carácter singular de uma ciência que tem apenas um único limite para o seu objecto e para si própria, que oscila entre a história vivida e a história construída, sofrida e fabricada, obriga os historiadores, conscientes desta relação original, a interrogarem-se de novo sobre os fundamentos epistemológicos da sua disciplina.»

Seguia em direcção a uma história total - uma tendência de os objectos das histórias parciais se constituírem em totalidade. 

«Ciência do domínio do passado e da consciência do tempo, deve, ainda, definir-se como ciência da mudança, da transformação.»


* A sua obra de referência, Les Lieux de Mémoire, "criação historiográfica original que reuniu 130 historiadores a questionar os símbolos franceses e a forma como expressavam, e o que expressavam, esse espírito diáfano que é um sentimento nacional”, nem teve edição em Portugal. 

É “um vasto estudo colectivo do património francês como marca identitária” (Francisco Bethencourt), que, pretendendo reflectir sobre o colectivo, a memória e a identidade, acabou por criar o conceito de lugares de memória. 


segunda-feira, 2 de junho de 2025

Pink Floyd, Obscured by clouds

Há 53 anos, a edição de Obscured by Clouds.

Álbum poucas vezes referido, mas ainda da fase áurea dos Pink Floyd.

Obscured by Clouds

Uma situação muito comum nos dias que correm...


quarta-feira, 21 de maio de 2025

De preferência em silêncio...

Não consigo ouvir o discurso dos "cheganos" "chegófilos".

Está acima das minhas capacidades físicas e psicológicas: há um irritativo, pela forma e pelo conteúdo. Aceleram-se-me os batimentos cardíacos... 

Uma jornalista lembrou uma frase de Salgueiro Maia, em entrevista ao Expresso, antes das eleições de Abril de 1975: «Não há limites para as possibilidades de opção, e se o povo quiser ir para o inferno, é para o inferno que iremos.»

Posso ir para o inferno, mas prefiro ir em silêncio...

(muito menos cantando e rindo)


domingo, 18 de maio de 2025

Que faremos nós, filho, para que a vida seja mais que a cegueira e cobardia?

«Vais crescendo, meu filho, com a difícil luz do mundo. Não foi um paraíso, que não é medida humana, o que para ti sonhei.

Só quis que a terra fosse limpa, nela pudesses respirar desperto e aprender que todo homem, todo, tem direito a sê-lo inteiramente até ao fim. Terra de sol maduro, redonda terra de cavalos e maçãs, terra generosa, agora atormentada no próprio coração; terra onde teu pai e tua mãe amaram para que fosses o pulsar da vida, tornada inferno vivo onde nos vão encurralando o medo, a ambição, a estupidez, se não for demência apenas a razão; terra inocente, terra atraiçoada, em que nem sequer é já possível pousar num rio os olhos de alegria, e partilhar o pão, ou a palavra; terra onde o ódio a tanta e tão vil besta fardada é tudo o que nos resta; abutres e chacais que do saber fizeram comércio tão contrário à natureza que só crimes e crimes e crimes pariam.

Que faremos nós, filho, para que a vida seja mais que a cegueira e cobardia?»

Eugénio de Andrade
Ao Miguel, no seu 4º Aniversário, e contra o nuclear, naturalmente


Depois da missa, deu-lhe para a modéstia


A estratégia continua a funcionar
(contando com a bronquidão de muitos)

Foi pior do que esperava, e já não esperava nada de bom!
Estou à beira de um refluxo esofágico!...


Dia Internacional dos Museus 2025

Porque há mais vida para além das eleições...


«Em comunidades em rápida transformação, podemos e devemos ser pontos de ancoragem cultural, locais de resistência à homogeneização e ferramentas para a construção de futuros mais justos e colaborativos. Podemos atuar como pontes entre o passado e o futuro, entre o local e o global, entre o individual e o coletivo. (...)
O futuro dos museus não é apenas uma questão de inovação tecnológica, de sustentabilidade e de democracia cultural — é, sobretudo, uma questão de responsabilidade política e de coragem institucional frente à regressão dos direitos universais humanos. O medo sempre foi e será sempre inimigo da liberdade.»
David Felismino,
Presidente do ICOM Portugal [Conselho Internacional de Museus]