"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O 25 de novembro enquanto mistificação

«O 25 de Novembro pode e deve ser comemorado, mas é como ele foi, “como ele foi” foi sem dúvida importante no processo que, do 25 de Abril à plena democracia, teve várias etapas. O nascimento da nossa democracia, a partir da conquista da liberdade em 25 de Abril, demorou mais ou menos dez anos. Esses anos foram convulsivos, conflituais, mas o que é que se esperava da queda de uma ditadura, que conduzia uma Guerra Colonial, com censura todos os dias, com uma polícia política sem lei, com prisões e repressão, com altas taxas de analfabetismo, emigração em massa e enorme pobreza? Queriam que essa transição fosse “higiénica”, sem pecado? Muito bem, ajudassem a derrubar a ditadura mais cedo, a acabar com a guerra, pagando as consequências, e para isso muitos dos que se queixam do tumulto do pós-25 de Abril, com efeitos trágicos em particular nas colónias, não mexeram uma palha.

(...)

A mistificação histórica e política do 25 de Novembro apouca-o, porque o seu significado real justificava uma comemoração digna nos seus 50 anos, em 2025. O problema é que as pessoas a serem homenageadas seriam, com excepção de Jaime Neves – o herói solitário das comemorações “fake” de 2024 –, o Presidente general Costa Gomes, os militares do Grupo dos Nove, que são os mesmos que hoje se recusam a ir a estas comemorações, os seus vivos como Vasco Lourenço ou Sousa e Castro – demasiado “esquerdistas” para os propugnadores das comemorações “diabólicas” –, Ramalho Eanes e, no plano civil, Mário Soares, os seus companheiros da luta da Fonte Luminosa e os homens do PPD, Sá Carneiro e Emídio Guerreiro. Ou seja, tudo gente que merecia a “verdadeira” homenagem, e não a que tem na sua propositura na Assembleia um destacado membro da resistência armada ao 25 de Abril e os membros da direita radical no CDS e no PSD. Vão todos participar numa mistificação histórica, que é ao mesmo tempo uma menorização do valor do 25 de Novembro.»

José Pacheco Pereira, Público, 23 de Novembro de 2024


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