"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 16 de março de 2024

O 16 de Março de 1974

«O Golpe das Caldas de 16 de Março de 1974 é um importante acontecimento da história da democracia portuguesa, de definição ambígua, paradoxal e anacrónica.» (Dicionário de História de Portugal - O 25 de Abril)

Não é fácil contar a história da tentativa de golpe contra o regime. O 16 de Março foi uma acção mal planeada e que se precipitou no meio de um "encadeamento de equívocos". 

É preciso lembrar o clima geral de contestação à demissão dos generais Spínola e Costa Gomes. Esse ambiente de instabilidade e insatisfação verificava-se, nomeadamente, nas Caldas da Rainha (Regimento de Infantaria n.º 5), no Regimento de Infantaria n.º 14 de Viseu e no Centro de Instruções de Operações Especiais, de Lamego.

Houve oficiais que manifestaram vontade em trazerem as suas unidades para a rua e tomarem uma posição de força. Houve muitos contactos estabelecidos, nomeadamente com elementos do recém-formado MFA, mas verificou-se uma enorme falta de coordenação e não se garantiram objectivamente os apoios necessários. Havia quem pensasse que bastaria um quartel movimentar-se que outros se lhe juntariam - um "abanão" e o regime viria abaixo. 

Spínola, informado do clima reinante e das intenções de oficiais que lhe eram próximos, tinha considerado que "este não seria o momento adequado para desencadear qualquer acção", até porque o Governo estaria em situação de alerta. 

O poder, em Lisboa, já se tinha apercebido de movimentações em alguns quartéis e tinha declarado prevenção rigorosa nas unidades militares.

Quando na noite de 15, nas Caldas se decidiu avançar com uma coluna militar, o novo comandante (que tinha tomado posse nesse dia) ficou detido no quartel, mas com acesso ao telefone do seu gabinete, pelo que pôde informar Lisboa do que se passava.

«Quando, às 04h00 do dia 16 de Março, a coluna atravessa os portões do quartel em direcção à capital, tendo no comando o capitão Armando Ramos, já o Governo está em alerta máximo e preparado para enfrentar os militares revoltosos. A coluna que sai do quartel é formada por 15 viaturas, não tendo sido possível determinar o número exacto de militares envolvidos na revolta, mas seriam à volta de 180 homens.» (José Matos e Zélia Oliveira, Rumo à Revolução)

Em Lisboa, as forças fiéis ao Governo esperavam os revoltosos nas entradas da cidade, nomeadamente na zona oriental (Portela, Moscavide e Sacavém).

A poucos quilómetros da capital a coluna foi informada pelos majores Manuel Monge e Casanova Ferreira de que mais nenhuma força militar saíra. Perante este cenário, foi decidido que a coluna invertesse a sua marcha e voltasse ao quartel. Os dois majores também acompanharam a coluna pretendendo resistir. 

Mas depois do seu regresso, o quartel foi cercado pelas forças fiéis ao regime provenientes de Leiria e de Santarém, e os revoltosos, após várias horas de negociações, acabariam por se render e seguir presos. Destes, o único que pertencia às estruturas do MFA era o major Manuel Monge. Outros elementos do regimento foram transferidos para outras unidades militares. Chegava assim ao fim o levantamento que ficou conhecido como “levantamento” ou “intentona das Caldas”.

Durante esta insurreição, Marcelo Caetano, informado da saída das forças das Caldas, já de madrugada, dirigiu-se para o Quartel-general da 1.ª Região Aérea, no Monsanto, local onde devia procurar refúgio em caso de emergência. O Presidente da República juntar-se-lhe-ia poucas horas mais tarde. 

O Almirante Américo Tomás escreveria mais tarde que «Só me pareceu verdadeiramente diligente, operante e determinado o Ministro do Exército. No Presidente do Conselho notei um alheamento, que me pareceu praticamente total e que me chocou deveras: em suma e em conclusão, não regressei a casa bem impressionado, nem optimista. (...) confrangeu-me a passividade e o alheamento quase geral, que não me pareceu bom augúrio.»


Uma nota do Governo, já no dia 17, resumia a situação (da sua perspectiva) «Depois da rendição dos oficiais que se sublevaram nas Caldas da Rainha reina a ordem em todo o país.»

A hierarquia militar permaneceu imperturbável, procedendo apenas a algumas transferências. Parece ter sido criado um sentimento de falsa segurança e as forças do regime terão ficado convencidos que o assunto estava sanado.


A tentativa falhada expôs o modo de operações do Estado Novo - conseguiram-se identificar estratégias e instrumentos utilizados - mas também levou ao reconhecimento de falhas do movimento dos revoltosos (aspectos a ter em conta na acção do MFA): necessidade de melhor planeamento, de atenção às comunicações, de coordenação - inexistência de uma cadeia de comando clara - e que... “O golpe tinha de ser entre terça e quinta-feira, devido aos fins-de-semana, e as unidades deviam sair todas ao mesmo tempo” (Vasco Lourenço) 

«O 16 de Março foi fundamental para moldar a forma que assumiu a intervenção militar em 25 de Abril de 1974.» (Aniceto Afonso)

O golpe das Caldas seria referido por Marcelo Caetano na sua última Conversas em Família, no dia 28 de Março.

«Recomendação: quando planearem um novo movimento militar nunca o façam num sábado. Podemos dizer que é uma lição da História.» (Aniceto Afonso)




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