"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 12 de junho de 2021

Discos - Colheita 71 (2)

Adriano Correia de Oliveira, Gente de Aqui e de Agora

José Niza é o compositor de todas as canções deste disco, tendo também a responsabilidade da direcção musical.
Adriano ia enviando os poemas para um quartel perdido no mato do Norte de Angola, onde Niza era alferes-médico.

"Quase toda a música deste disco aconteceu no norte de Angola, em 1970, durante as incomensuráveis noites em que, médico na guerra, buscava a evasão de não estar ali." (JN)

A capa do disco tem como autor o arquitecto Silva e Castro, capitão miliciano e comandante do quartel de uma companhia a quem José Niza prestava serviço.
Este arquitecto foi conhecendo as canções (antes do próprio Adriano) e ia desenhando as imagens que as canções lhe sugeriam. E a capa ganhou autoria.



Gente de Aqui e de Agora representa o início de uma nova fase da carreira de Adriano Correia de Oliveira, com o enriquecimento musical das canções. 
"Este disco é um passo enorme em frente. Em todos os aspectos: instrumentação, construção musical, vocalização (onde houve um trabalho muito mais cuidado do que anteriormente da técnica de cantar). Demorou mais tempo a realizar do que normalmente, porque valia a pena, porque eu sabia que estávamos a trabalhar num caminho certo e com segurança. Com segurança graças exactamente à direcção do José Niza que me podia apontar quando é que as coisas estavam certas ou não." (ACO, em entrevista de 1971, à revista Mundo da Canção).

Pela primeira vez, Adriano cantou acompanhado por orquestra, em duas canções, dirigida por Thilo Krasmann e por José Calvário (o primeiro arranjo desde maestro, à época com 20 anos de idade). As restantes canções tiveram acompanhamento de pequenos conjuntos instrumentais sob a direcção de José Niza e de Rui Ressurreição.

"O Outono de 191 foi um outono musical histórico, o Outono da viragem decisiva de mais uma página na evolução da música popular portuguesa. Todos nós tínhamos descoberto que a fase da viola heróica, ou da viola às costas havia de dar lugar a um outro tratamento da forma musical, mantendo logicamente intocável o conteúdo político e socio-político dos textos." (JN)

O disco é um dos imprescindíveis para a compreensão da "nova canção portuguesa", no início dos anos 70.

Escreveu Adriano: "Gente de Aqui e de Agora retrata e canta alguns tipos e situações da sociedade portuguesa actual. (...) Que este cantar valha como denúncia dessas situações para que lhes mudemos o rumo (...)."
O seu cantar valeu: Adriano foi impedido de editar discos até ao 25 de Abril de 1974 e os seus concertos foram sistematicamente proibidos.

"Um disco não se explica. Ouve-se! Mas pode, também, contar-se..." (José Niza)

E alegre se fez triste


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