"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 7 de março de 2018

Beef Wellington ou o beef que Wellington não comeu

Não passam os ingleses por terem uma gastronomia refinada...
Dos franceses é proverbial o seu chauvinismo...

Vêm estes dois estereótipos a propósito de uma receita ocidentalmente reconhecida, sobretudo a partir do momento em que o presidente Richard Nixon a passou a incluir nas recepções oficiais da Casa Branca, mas cujo criador ficou na sombra.


Não se conhece o verdadeiro pai do Beef Wellington, nem a sua nacionalidade.
De Wellington, o duque, sabe-se a sua apetência para derrotar as tropas napoleónicas, seja nas Linhas de Torres seja em Waterloo.
Só este destaque militar justificará a atribuição do seu título nobiliárquico ao "lombo", porque, decididamente, Wellington não era um apreciador de comida. Comia para matar a fome. Só o teremos por bom garfo se entendermos que, com ele, tudo marchava.
Todas as indicações encontradas são de um distanciamento em relação à alimentação.

Busto do Duque de Wellington, em Lisboa

Ele gostaria de pratos gordurosos e indigestos. Comia tão rápido que os companheiros de mesa não conseguiam acompanhar o ritmo.
Em Paris, quando convidado pelo cônsul Régis de Cambacéres, questionado sobre o jantar que lhe tinha sido servido, Wellington terá respondido “Estava excelente, mas para lhe ser franco eu não ligo muito ao que como.”

De Wellington se conta que, a conselho de um amigo, contratou os serviços de um reputado cozinheiro. Pouco tempo depois, esse cozinheiro implorava ao seu antigo patrão, Lord Seaford, que o voltasse a contratar, mesmo que por menos dinheiro ou, mesmo... sem salário. 
O duque era um patrão muito amável, mas indiferente aos pratos que lhe eram confeccionados, o mais banal ou o mais elaborado. Tanta insensibilidade gastronómica feria a susceptibilidade do chef!

Parece que só uma receita da cozinha portuguesa - tinha de ser! - lhe mereceu uma menção honrosa.
Nas memórias que escreveu, a duquesa de Wellington exprimiu o seu espanto pelo facto do seu marido lhe ter descrito numa carta a receita de uma sopa que comeu em Lavos, quando aí estabeleceu o seu quartel-general, após o desembarque das forças inglesas em Portugal: canja de galinha!

Mas tudo isto porque, tendo feito uma visita de estudo com os meus alunos ao Centro de Interpretação das Linhas de Torres (CILT) e ao Forte do Alqueidão, em Sobral de Monte Agraço, e tendo inquirido sobre um restaurante que me pudessem aconselhar para uma visita posterior, de carácter familiar, me referiram um que "até" confecciona o Beef Welington.

Centro de Interpretação das Linhas de Torres (Sobral de Monte Agraço)
Achei interessante ir procurar informações sobre este prato, pensando que o famoso general estaria na sua verdadeira origem - um general gourmet, comensal exigente, refinado...
E eis que o tão sofisticado lombo (porque de uma peça de lombo de novilho se trata) não tem uma ligação material ao brioso militar, que nunca lhe terá metido o dente!



E resta a incógnita da sua origem, não assumida seguramente por ninguém. 
Há quem fale numa origem neozelandesa - uma criação para uma recepção cívica na capital da Nova Zelândia, ela própria baptizada com o nome do herói britânico.

Há quem diga que o Beef Wellington é uma receita típica inglesa.

Há que argumente que o Beef virá do Filet de boeuf en croûte, receita francesa em que é usada a Duxelles - preparação feita com cogumelos, chalotas, manteiga e vários temperos, receita inventada pelo chef François Pierre de La Varenne, cozinheiro do marquês d'Uxelles, cujo nome foi dado à receita.
Um cozinheiro inglês, "imbuído de sentimento patriótico", teria trocado o nome do prato na época das guerras napoleónicas.
Os franceses terão dificuldade em engolir o nome atribuído e duvidam da capacidade culinária dos ingleses. Recordo-me de estar em Paris, em 2005, quando a cidade de Londres foi escolhida, em detrimento da capital de França, para a organização dos Jogos Olímpicos de 2012. Nessa ocasião, um despeitado presidente francês, Chirac, questionava como é que um país em que não se sabia cozinhar podia organizar os Jogos Olímpicos!

Em 1925, um jornal australiano trazia um anúncio do Café Français, em Melbourne, a publicitar um menu especial, em que um dos pratos era um Filet d’Bouef a la Wellington - nome tão francês (mas com um Wellington atravessado...).

Talvez a origem seja irlandesa - o duque de Wellington, (Arthur Wellesley, de seu verdadeiro nome) era natural de Dublin. E na Irlanda o nosso beef chama-se Steig Wellington (o steak dos ingleses).
Ou terá sido um cozinheiro irlandês que rebaptizou a receita francesa?

Talvez um dia destes vá a Sobral de Monte Agraço comer o Beef, Filet, Steig, Steak ou Lombo Wellington.
Abençoado património!


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