"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Vila Berta - de Tojal em Tojal

Regressei à Graça por motivo da abertura parcial do seu convento, com a exposição da Procissão do Corpo de Cristo, peças da autoria de Diamantino [Francisco] Tojal (1897-1958), nome que desconhecia.

Fiz caminho pela Vila Berta (Villa Bertha), complexo habitacional (no bairro da Graça) empreendido, entre 1902 e 1908/10, por Joaquim Francisco Tojal, nome a que nunca tinha ligado.
Coincidência de Tojais? Certamente família, pai e filho, muito possivelmente.

Segundo as fontes mais credíveis, Joaquim Francisco Tojal fundou uma empresa de construção.
Diamantino Tojal é dado como empresário e construtor civil. E teria sido no seu estaleiro de construção civil - o mesmo que Joaquim Francisco Tojal instalara (?) - "a dois passos da sua residência, na Vila Berta, na Graça, onde sempre viveu", que produziu, também com amigos, as peças da Procissão. O mesmo lugar onde as peças deterioradas foram reparadas para figurarem na actual exposição, cerca de 75 anos depois.

Diamantino Tojal (3.º da esquerda) na inauguração da exposição
da Procissão do Corpo de Deus, em 1948, no Palácio Galveias.
O elevado número de peças não permitiu, então, que todas fossem expostas.

A Vila Berta foi classificada como Imóvel de Interesse Público (Março de 1996). A proposta de classificação foi do arquitecto Carlos Tojal (um neto de Joaquim Francisco Tojal?).
Existe uma Associação de Defesa do Património da Vila Berta, a qual é presidida por Estêvão Tojal, bisneto do seu fundador e morador na vila.
"Ainda estão na posse da família cerca de 40 a 50% dos prédios".

Começando pelo princípio...
Joaquim Francisco Tojal nasceu no Brasil, filho de emigrantes portugueses. Marceneiro de profissão, veio para Portugal nos finais do séc. XIX e fundou uma empresa de construção.
Morando na Parede, adquiriu, em 1887, terrenos na Quinta do Alcaide Fidalgo (Graça, Lisboa), onde construiu um conjunto de habitações. Esse conjunto apresentava semelhanças com as vilas operárias que se edificavam em Lisboa desde as últimas décadas do século XIX. 

«Desta Rua do Sol, em transversal, segue à Travessa da Pereira, por um passadiço, a “Vila Berta”, construída em 1902 por Joaquim Francisco Tojal, que adquiriu também os terrenos a sul, antes pertencentes a Tomaz da Costa (o proprietário do grande prédio que foi o palácio dos Condes de Val-de-Rei no Largo da Graça, hoje Vila Sousa). Paralela a esta artéria “Vila Berta” (D. Berta Tojal, nela residente) correrá a Rua Francisco Tojal, que celebra a memória do construtor, e cujo dístico já foi colocado.»
Norberto Araújo, Peregrinações em Lisboa

Mas, comparativamente à grande maioria das vilas, apresentava uma assinalável qualidade arquitectónica, com elementos de riqueza decorativa, e de materiais construtivos, ultrapassando o "quadro de miséria" que frequentemente acompanha esta tipologia de construção.
A razão está no facto de Joaquim Tojal ter projectado a vila para habitação da família e de amigos próximos, principalmente, e para os mestres e operários do estaleiro de construção da sua empresa, instalado em terrenos contíguos. Configurava um conjunto habitacional de pequena burguesia, embora haja uma distinção evidente na tipologia dos edifícios, conforme os seus destinatários. 
 A vila foi baptizada com o nome da filha: Berta. 


A Vila Berta é do tipo de vilas que formam uma rua, sendo constituída por duas bandas de edifícios em correnteza, separadas pela rua. 
Essas duas bandas apresentam características diferentes: 
- do lado nascente, os edifícios têm dois pisos e uma cave. 




- do lado poente, "mais nobre", os edifícios são de três pisos, a uma cota superior à do nível da rua. O 1.º piso, para além da sua altura superior, fica afastado da rua por um terraço ajardinado e o 2.º piso apresenta uma plataforma sobre a zona de acesso ao edifício apoiada em pilares de ferro fundido.




Adivinha-se que seriam as primeiras destas habitações aquelas que se destinavam aos operários e mestres (marceneiros, canalizadores, pedreiros, etc.).

No topo Norte da rua, encontra-se o acesso principal ao interior da vila (a partir da Rua do Sol à Graça): uma passagem sob um prédio.



Inicialmente, a vila era encerrada, nos topos, por portões que davam à rua um carácter privado, contando com um guarda e um jardineiro. Os portões deixariam de existir, integrando-se a rua no espaço público.


«As varandas em ferro imprimiram-lhe um carácter peculiar,
bem como os azulejos de estampilha, as varandas e as mansardas.»
(desenhos da arquitecta Ana Tostões)

Com o tempo, foi-se alterando a composição dos seus habitantes, incluindo a instalação de famílias estrangeiras e a renovação etária da população residente.
Presente parece continuar o cuidado com a preservação e a reabilitação das construções, embora haja quem fale na "rápida descaracterização dos seus elementos arquitectónicos".
Em 2015/2016 verificaram-se obras de requalificação do conjunto edificado.
A vila foi cenário da nova versão do Pátio das Cantigas e consta de muitos roteiros turísticos da cidade de Lisboa.

O neto do fundador da vila defende a ideia que «além do património cultural físico, existe ainda outro património socio-cultural associado à Vila Berta que se pretende preservar: a vida comunitária, as relações de boa vizinhança entre os moradores desta aldeia e a participação de todos em actividades comuns».

Será esta a "Casa da Quinta", onde mora Estêvão Tojal?
A visita vale a pena!...


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