Ex-libris de Aquilino Ribeiro |
50 anos depois da sua morte, 100 anos depois do início da produção ficcionista do Mestre.
Um Mestre difícil para os nossos dias, pela sua riqueza lexical, cada vez mais incompreendida, e pelo desaparecimento do mundo em que a sua obra tem raízes. Um erudito com os pés (e a alma) na terra.
Militante cívico, entre muitas acções foi fundador da Sociedade Portuguesa de Escritores e seu presidente (1956)
«O vento, que é um pincha-no-crivo devasso e curioso, penetrou na camarata, bufou, deu um abanão. O estarim parecia deserto. Não senhor, alguém dormia meio encurvado, cabeça para fora do seu decúbito, que se agitou molemente. Voltou a soprar. Buliu-lhe a veste, deu mesmo um estalido em sua tela semi-rígida e imobilizou-se. Outro sopro. Desta vez o pinhão, como um pretinho da Guiné de tanga a esvoaçar, liberou-se da cela e pulou no espaço. Que pára-quedista!
Precipitado tão de alto do pinheiro solitário, balançou-se um instante e ensaiou um voo oblíquo. A meio caminho volteou, rodopiou, viu as nuvens ao largo, a terra em baixo e, saracoteando a fralda, desceu em espiral. Poisou em cima duma fraga, ligeiro como um tira-olhos. Mas novo pé-de-vento atirou com ele para a banda, quase de escantilhão, e a aleta, tomando-se de imprevisto fôlego, arrebatou-o para mais longe. Foi cair numa mancheia de terra, removida de fresco pelos roçadores do mato, e ali permaneceu à espera que pancada de água ou calcanhar de homem o mergulhasse no solo, dado que um pombo bravo o não avistasse e engolisse.»
Abertura de A Casa Grande de Romarigães
Tanto para dizer da simples queda de um pinhão (e da esperança que o levasse a pinheiro).
Até o corrector ortográfico assinala erros por desconhecimento do vocabulário.
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