"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Primeiro poema de Outono

Mais uma vez é preciso
reaprender o outono -
todos nós regressamos ao teu
inesgotável rosto
Emergem do asfalto aquelas
inacreditáveis crianças
e tudo incorrigivelmente principia
Já na rua se não cruzam 
olhos como armas
Recebe-nos de novo o coração

E sabe deus a minha humana mão

Ruy Belo, Aquele grande rio Eufrates


domingo, 19 de setembro de 2021

The Concert in Central Park - 40 anos

 Há 40 anos, no Central Park...


A presença do espírito de J. S. Bach...


José-Augusto França (a morte já anunciada)

A comunicação social já anunciara o seu falecimento em 2018.

Uma das maiores referências do panorama cultural português.

«O França não é uma pessoa, é um mundo (...)» (Rogério de Moura, antigo editor dos Livros Horizonte).

«Se a minha avó o tivesse conhecido, diria apenas: "É um homem que tem tudo muito bem explicado e que nunca deixa nada por dizer."» (José Jorge Letria)

Eduardo Lourenço e José-Augusto França, figuras maiores
da nossa cultura nas últimas décadas.
Dois intelectuais exilados no Estado Novo, dois afrancesados.

Abandonar o país para poder pensar e criar livremente.

«(...) já tinham estudado Histórico-Filosóficas, agitado o meio cultural, interrogado o mundo. Pouco depois sairiam do país para perceber que “não estávamos tão orgulhosamente sós” (...)»


Que ordem oculta reina no cosmos?

«Deixo morrer a tarde sentado no pátio da casa, à sombra do noveleiro, a olhar um ninho de melro que já criou e a ouvir gemer a cadela cheia de cio na loja. Minha irmã, de chapéu de palha, guarda o milhão estendido na eira, a mexê-lo de vez em quando às rodadas, num ritmo que já vem dos nossos avós. E o ninho vazio, a cadela aluada e o milhão assim mexido enchem-se de não sei que sensação de mistério. Invade-me um estranho sentimento de sagrado, misto de pânico e de deslumbramento, de negrura e de iluminação. O que sei eu desta linhagem de melros que desde que me conheço habitam no quintal? Que força oculta exalta o instinto de procriação da perdigueira? Que hereditariedade determina em minha irmã os mesmos gestos ancestrais? Que ordem oculta reina no cosmos para além dos preceitos transitórios das legislações humanas? Chego ao fim da vida na perplexidade inicial. Quantas mais explicações leio dos fenómenos naturais, mais afastado me sinto da verdade. De uma verdade que não seja de tropismos, de reflexos condicionados, de hormonas, e onde caiba tudo isso.

Miguel Torga (S. Martinho de Anta,19 de Setembro de 1974), Diário XII

Casa de Miguel Torga em S. Martinho de Anta


sábado, 11 de setembro de 2021

O homem sóbrio, inteligente, sensível

«Gostei de o ver. É o mesmo homem, sóbrio, inteligente, sensível. Há vinte anos estivemos juntos na campanha para as eleições autárquicas que então se iam celebrar e que ganhámos, ele para o exercício inovador e competente da sua função de presidente da Câmara Municipal de Lisboa, eu para o desempenho pouco afortunado do cargo de presidente de uma Assembleia Municipal de má memória. Calcorreámos corajosamente ruas, praças e mercados de Lisboa pedindo votos, mesmo quando, creio que por pudor, não o fazíamos explicitamente. Como já ficou dito, ganhámos, mas quem ganhou realmente foi a cidade de Lisboa que pôde rever-se com orgulho no seu máximo representante na Câmara. Tivemo-lo depois como presidente da República durante dois mandatos em que deixou a marca de uma personalidade nascida para o diálogo civilizado, para a procura livre de consensos, sem nunca esquecer que a política, ou é serviço da comunidade, serviço leal e coerente, ou acaba por tornar-se em mero instrumento de interesses pessoais e partidários nem sempre limpos. Ficámos de ver-nos com tempo e vagar, promessa mútua que espero ver cabalmente cumprida no futuro, apesar da intensa actividade no projecto da Aliança de Civilizações, de que é Alto Representante. Com Jorge Sampaio não há palavras falsas, podemos fiar-nos no que diz porque é o retrato do que pensa.»

José Saramago (2009)

Jorge Sampaio e José Saramago em campanha, 
no "meu" (à época) Mercado de Benfica

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Jorge Sampaio

Faleceu hoje um homem que, para mim, representa o modelo de político.
O único em quem votei por convicção e admiração.


«Sempre me disseram, por vezes, aliás, num tom crítico e que até, paradoxalmente, me diverte, que era um homem preocupado. E sou. Sou um homem inquieto. O futuro do país preocupa-me genuinamente. Não já porque me sinta que posso fazer algo mais, mas porque, quando se dedicou ao país e aos cidadãos toda uma vida, fica-se para sempre servidor da res publica

Jorge Sampaio 
(por ocasião do lançamento do 2.º volume das suas memórias, 2017)


terça-feira, 7 de setembro de 2021

Lhéngua Mirandesa

Carta Europeia de Línguas Regionais e Minoritárias do Conselho da Europa

Portugal assinou hoje a Carta Europeia de Línguas Regionais e Minoritárias do Conselho da Europa. Este instrumento visa, desde 1992, por um lado, proteger e promover as línguas regionais e minoritárias históricas da Europa, mantendo e desenvolvendo a herança e tradições culturais europeias; e, por outro lado, respeitando o direito inalienável e comumente reconhecido de uso das línguas regionais e minoritárias na vida pública e na esfera privada.
A Língua Mirandesa esteve na base desta assinatura. A Câmara Municipal de Miranda do Douro, a par da Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa, desenvolveram uma lista de compromissos a cumprir, decorrentes da adesão de Portugal à Carta.
Lisboa, 7 de setembro de 2021




segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Sofisticação

Dizia um comentadeiro, ontem, na televisão, que os talibãs estão politicamente mais sofisticados.

A imagem parece-me esclarecedora dessa sofisticação...

... o quadro permanecia na parede.


Retiradas

A retirada das forças ocidentais do Afeganistão fez-me lembrar um texto que li há poucos dias sobre uma situação vivida por um comandante português, na Guiné, quando da retirada das tropas portuguesas em 1974.

O comandante despedia-se dos guineenses que tinham combatido do lado das forças portuguesas. Agradeceu a sua colaboração e desejou-lhes as maiores felicidades.

Um dos soldados guineenses respondeu-lhe que ele é que estava em condições de desejar felicidades ao comandante que ia regressar à sua terra e ao convívio dos seus familiares. Porque, mal os portugueses partissem, quem tinha estado do seu lado não teria mais do que um dia de vida.


terça-feira, 3 de agosto de 2021

E vai daí aquela pagaiada toda...

Foi muita emoção! 

Às 4:20h da manhã... os portugueses até ressonavam!...


Também há os que papagaiam umas coisas!...
ou papagueiam...

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Otelo

Já passou mais de uma semana da sua morte, mas seria impossível, mesmo no meio da irregularidade editorial desta tasca, a falta da referência a Otelo Saraiva de Carvalho, o estratega e comandante da acção militar do 25 de Abril de 1974.
É nesse papel que o pretendo recordar. 
A ele e aos outros militares que agiram e fizeram o 25 de Abril, arriscando as suas vidas, devemos a liberdade que permitiu, nos últimos 47 anos, irmos construindo o país que somos. Mal ou bem, melhor ou pior, nos acertos ou nos disparates... segundo as diferentes perspectivas. 
É difícil saber hoje o que é não ser livre.
No balanço da História que já pode ser feito, Otelo tem direito a um lugar de relevo. 
Porque o 25 de Abril de 1974 foi o princípio.
Os caminhos ou os desvios são outros quinhentos... 

Os militares que comandaram as operações do dia 25 de Abril de 1974, 
a partir do Posto de Comando do MFA, instalado no quartel do Regimento
de Engenharia n.º 1: Fisher Lopes Pires, Vítor Crespo, Sanches Osório, 
Otelo Saraiva de Carvalho, Garcia dos Santos e Hugo dos Santos. 
Falta Luís de Macedo (que no dia 25 de Abril saiu de manhã cedo
da Pontinha, para apoiar Salgueiro Maia no Terreiro do Paço)*


* Luís Macedo, falecido em Novembro de 2020, vítima de Covid-19, foi o braço direito de Otelo.


José Afonso - 92 anos ricos

Para assinalar o que seria o 92.º aniversário do nascimento de José Afonso, a RTP1 anuncia para hoje a exibição do documentário José Afonso: Traz Outro Amigo Também, da autoria de Nuno Galopim e Miguel Pimenta. Segue-se o concerto O Cantinho do Zeca, com direção artística do músico Agir, onde vários artistas recriam o legado de José Afonso.

Foi anunciado para o próximo mês de Outubro o início da reedição dos 11 álbuns de José Afonso, lançados originalmente entre 1968 e 1981, na editora Orfeu. 

Finalmente, depois de muitas vicissitudes, está aberto o processo de classificação da obra fonográfica de José Afonso, considerando o seu valor cultural.

Viva a fartura!


segunda-feira, 19 de julho de 2021

A via original de um capitalismo português

No período do PREC, falava-se numa "via original para um socialismo português". 
Agora, quando até José Gomes Ferreira (o comentador) o diz...
A Groundforce e os lucros das gasolineiras, dois exemplos da originalidade. 



Original desde o período do liberalismo. 
Parasitismo oportunista, a maioria das vezes amparado no Estado.


Roleta russa

 "Roleta britânica"



O dito "dia da normalidade" chega com o ministro da Saúde infectado e o Primeiro-Ministro em isolamento.


segunda-feira, 5 de julho de 2021

Ovelha Dolly - 25 anos

A 5 de Julho de 1996, nasceu na Escócia a ovelha Dolly, a mais famosa... depois da ovelha Choné!

As duas fazem parte da ficção, sendo que a Dolly superou a ficção e tornou-se realidade por ter sido clonada a partir de uma célula adulta de uma ovelha com 6 anos.

O seu nascimento, muito badalado na época (há que preservar a arte chocalheira!), abriu a porta a uma série de potencialidades na biologia e na medicina: os cientistas acabavam de provar que os mamíferos podiam ser clonados com células adultas e não apenas embrionárias. O facto lançou o debate sobre a manipulação genética, incluindo a mui polémica possibilidade de clonagem humana. 

Entretanto, o caminho feito permitiu um maior conhecimento de doenças, motivou investigações ao nível das células estaminais, da sua existência e utilização, das aplicações ao nível da regeneração de tecidos e órgãos.

Após 25 anos, o debate sobre a manipulação genética permanece. Que ele tenha o efeito positivo de continuar a possibilitar o conhecimento científico.


Quanto à Dolly, o facto de ter sido clonada a partir de uma célula adulta trouxe-lhe problemas de saúde, sinais de um envelhecimento precoce. Em 2003, contraiu uma infecção pulmonar incurável e, com a mesma idade que tinha a sua mãe genética quando lhe foi retirada a célula mamária, foi eutanasiada para não continuar a sofrer. O seu corpo encontra-se embalsamado no Royal Museum of Scotland, em Edimburgo.

Em homenagem à Dolly, os portugueses The Soaked Lamb (o ensopadinho só podia ser português-alentejano!).



sábado, 3 de julho de 2021

A solução final?

E que tal uma estrelinha amarela?

Entrada do diário de Esther Hillesum, judia holandesa, do dia 3 de Julho de 1942:
«Houve um tempo em que pensava que precisava de ter uma série de ideias brilhantes todos os dias, e agora, às vezes, sinto-me como um pedaço de terra árida onde nada cresce, mas que, no entanto, está coberta por um céu alto e amplo. E assim é, de longe, melhor. Algo se cristalizou. Olhei bem nos olhos e aceitei na minha vida a nossa destruição, o nosso triste fim, que já começou de tantas pequenas maneiras quotidianamente, e o meu amor pela vida não diminuiu. Não sou amarga, nem revoltada, nem de forma alguma estou desanimada. Continuo a crescer dia após dia, mesmo enfrentando a probabilidade da destruição. Não vou brincar mais com as palavras, pois só geram mal-entendidos: reconciliei-me com a vida, nada me pode acontecer e, aliás, o meu destino pessoal não é a questão; não importa se sou eu quem morre ou se é outra pessoa. O que importa é que estamos todos marcados.»

Esther "Etty" Hillesum morreu foi morta em Auschwitz, em 1943, aos 29 anos de idade.
A sua morte fez parte da solução final.


Encerrou o Apolo 70

Acabei de ler que o primeiro drugstore de Lisboa encerrou.
Estará encerrado por tempo indeterminado, na sequência de um litígio judicial que opõe a empresa concessionária do espaço e o proprietário do edifício.

O cinema, uma boa discoteca e uma boa livraria (nomeadamente na área da História), a imagem (sempre olhei mas não era cliente, qual luxo na época em que andava sempre teso!) do restaurante de balcão redondo...
 

 Nostalgia...
E como estará o Arco-Íris, mesmo ali ao lado?
E o snack O Alho, também ao lado, onde se comiam umas grandes e óptimas tostas mistas em pão alentejano?


50 anos depois da morte de Jim Morrison

 The End 

Aos 27 anos, em Paris...


quinta-feira, 1 de julho de 2021

Fiel à palavra dada à ideia tida

Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício

Aquele que foi "Fiel à palavra dada à ideia tida"
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse
Sophia de Mello Breyner Andresen

Daniela e Natércia Maia
(neta e esposa de Salgueiro Maia)
Fotos de Alfredo Cunha

Salgueiro Maia faria hoje 77 anos.

Em Castelo de Vide, terra natal de Salgueiro Maia, inaugurou-se hoje a Casa da Cidadania com o seu nome.


domingo, 27 de junho de 2021

sábado, 26 de junho de 2021

Idanha-a-Velha

Vídeo sobre as múltiplas intervenções de requalificação de Idanha-a-Velha, entre 1994 e 2010 - "perscrutar arqueologicamente todos os passados".  

Idanha-a-Velha - Fundação Marques da Silva


quinta-feira, 24 de junho de 2021

Quando olhei pela janela...

... a Lua estava lá.



No dia de S. João

No dia de S. João
Há fogueiras e folias
Gozam uns e outros não,
Tal qual como os outros dias.
Fernando Pessoa

Diogo de Contreiras, Pregação de S. João Baptista
(pintado concluída em 1554, para o mosteiro de São Bento de Cástris,
em Évora, actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga)


Melhores jornalistas seriam mais criteriosos nos títulos

Os próprios autores do estudo sintetizam:

«As principais conclusões do estudo podem ser sumariadas nos seguintes pontos: 

• Os principais resultados e as conclusões obtidas para os três ciclos de ensino estudados – 2º ciclo, 3º ciclo e ensino secundário – revelaram-se muito semelhantes em termos qualitativos. 

• Confirma-se a importância, entre outras variáveis, do sexo, do nível de rendimento, da nacionalidade e da formação académica dos pais (principalmente da mãe) nos resultados dos alunos. 

•É possível obter estimativas de Valor Acrescentado dos Professores mesmo quando existem exames/provas nacionais apenas no início e no final de um ciclo de ensino. 

• A “continuidade pedagógica” (manter o mesmo professor nos vários anos do mesmo ciclo de ensino) não tem impacto nos resultados dos alunos.»

Se é verdade que o estudo aborda o impacte dos professores nos resultados dos alunos - e passa pela afirmação (redutora) de "diminuição de negativas" -, a opção do título da capa do Público é medíocre. Reflexo da cultura da nossa sociedade, em geral, e do nosso jornalismo, em particular.


quarta-feira, 23 de junho de 2021

A moda dos passadiços

Não me refiro às modas que compõem o cancioneiro alentejano, apesar desta notícia remeter para o Alentejo profundo. 

«Os Passadiços do Pulo do Lobo estão “praticamente concluídos”, prevendo-se a sua inauguração ainda este verão, informa a Câmara Municipal de Serpa à Evasões.

Esta nova estrutura (composta por uma escadaria de madeira com 300 degraus e dois passadiços em sentidos opostos na margem esquerda do rio Guadiana) permitirá aceder com conforto e segurança ao sítio do Pulo do Lobo, uma cascata de 16 metros de altura onde água do rio se precipita com força sobre a rocha.

De acordo com o município, “a estrutura integrará também três zonas de estadia, com miradouros sobre o Guadiana, e duas pontes, uma delas sobre a ribeira do ‘beco do pulo’”. Além do passadiço de madeira serão instaladas sinalética e estruturas interpretativas do espaço natural, destinadas a sensibilizar os visitantes para a importância da conservação e preservação da natureza protegida pelo Parque Natural do Vale do Guadiana.»

Tribuna do Alentejo


Com a moda dos passadiços, qualquer dia fazem-se miradouros para os contemplar.



sábado, 19 de junho de 2021

Ou arrasamos... ou somos arrasados

No futebol como na pandemia...


Ou somos os melhores... ou somos os piores!
Nada de meio termo...


P.S. (24 de Junho) - «Eufóricos se a bola entra na baliza – mesmo se não estivermos a falar de futebol – e depressivos quando a bola não entra.» (Luís Osório)

No empate com a França parece-me que ficámos no meio termo...


Francis Smith. Em Busca do Tempo Perdido

No Museu Nacional de Arte Contemporânea, a exposição Francis Smith. Em Busca do Tempo Perdido, aqui apresentada pela directora do museu.

Exposição de Francis Smith

«Mas ainda me estava reservado outro privilégio: o de assistir àquele momento extraordinário em que os pintores, como os poetas na presença das mulheres amadas, principiaram a fechar os olhos diante de Lisboa, para a imaginarem e pintarem de cor (e assim lhes parecer mais real).
Pouco a pouco, descobriram, separaram, reuniram, seleccionaram uma espécie de abecedário para escrever Lisboa. Uma estranha colecção de sinais que exprimia os aspectos mais característicos da realidade cenográfica lisboeta - escadinhas, arcos, chafarizes, janelas de guilhotina, manjericos, cunhais, roupa estendida, brasões, telhados, estes com abismos e poços de saguão tão imprevistos que já me permitiu um dia propor um desporto novo, o "telhadismo", exploração audaciosa da paisagem de marias-frias, arroz do telhado e musgos vários da nossa Lisboa das trapeiras misteriosas. De posse desta linguagem, qualquer pintor poderia reinventar Lisboa com facilidade. Foi esse o caso de Francisco Smith (também o conheci, o vi, de passagem em Portugal) que, durante anos e anos longe da pátria, em Paris, aplicou com talento pessoal e tintas saudosas, esse alfabeto.»

José Gomes Ferreira



domingo, 13 de junho de 2021

Marcha de Benfica

À falta das marchas e dos arraiais de Santo António, deixo a recordação de uma marcha de Benfica.

Com música da autoria de Raúl Ferrão e versos de Joaquim Frederico de Brito.
A gravação original data de 1936, também com a interpretação de Beatriz Costa.
Diz quem a editou no YouTube que esta versão é mais tardia - 1954.



Aurélia de Sousa vs Santo António

Uma histórica manifestação de afirmação protagonizada por uma artista mulher nascida a 13 de Junho de 1866.


Fotografia de estudo para o auto-retrato Santo António - a encenação


Santo António 
Auto-retrato de Aurélia de Sousa

Aurélia de Sousa modelo e personagem.


Escrevo num domingo

«Escrevo num domingo, manhã alta, num dia amplo da luz suave, em que, sobre os telhados da cidade interrompida, o azul do céu sempre inédito fecha no esquecimento a existência misteriosa de astros...
É domingo em mim também...»

Livro do Desassossego

Parabéns, Fernando!


sábado, 12 de junho de 2021

Discos - Colheita 71 (2)

Adriano Correia de Oliveira, Gente de Aqui e de Agora

José Niza é o compositor de todas as canções deste disco, tendo também a responsabilidade da direcção musical.
Adriano ia enviando os poemas para um quartel perdido no mato do Norte de Angola, onde Niza era alferes-médico.

"Quase toda a música deste disco aconteceu no norte de Angola, em 1970, durante as incomensuráveis noites em que, médico na guerra, buscava a evasão de não estar ali." (JN)

A capa do disco tem como autor o arquitecto Silva e Castro, capitão miliciano e comandante do quartel de uma companhia a quem José Niza prestava serviço.
Este arquitecto foi conhecendo as canções (antes do próprio Adriano) e ia desenhando as imagens que as canções lhe sugeriam. E a capa ganhou autoria.



Gente de Aqui e de Agora representa o início de uma nova fase da carreira de Adriano Correia de Oliveira, com o enriquecimento musical das canções. 
"Este disco é um passo enorme em frente. Em todos os aspectos: instrumentação, construção musical, vocalização (onde houve um trabalho muito mais cuidado do que anteriormente da técnica de cantar). Demorou mais tempo a realizar do que normalmente, porque valia a pena, porque eu sabia que estávamos a trabalhar num caminho certo e com segurança. Com segurança graças exactamente à direcção do José Niza que me podia apontar quando é que as coisas estavam certas ou não." (ACO, em entrevista de 1971, à revista Mundo da Canção).

Pela primeira vez, Adriano cantou acompanhado por orquestra, em duas canções, dirigida por Thilo Krasmann e por José Calvário (o primeiro arranjo desde maestro, à época com 20 anos de idade). As restantes canções tiveram acompanhamento de pequenos conjuntos instrumentais sob a direcção de José Niza e de Rui Ressurreição.

"O Outono de 191 foi um outono musical histórico, o Outono da viragem decisiva de mais uma página na evolução da música popular portuguesa. Todos nós tínhamos descoberto que a fase da viola heróica, ou da viola às costas havia de dar lugar a um outro tratamento da forma musical, mantendo logicamente intocável o conteúdo político e socio-político dos textos." (JN)

O disco é um dos imprescindíveis para a compreensão da "nova canção portuguesa", no início dos anos 70.

Escreveu Adriano: "Gente de Aqui e de Agora retrata e canta alguns tipos e situações da sociedade portuguesa actual. (...) Que este cantar valha como denúncia dessas situações para que lhes mudemos o rumo (...)."
O seu cantar valeu: Adriano foi impedido de editar discos até ao 25 de Abril de 1974 e os seus concertos foram sistematicamente proibidos.

"Um disco não se explica. Ouve-se! Mas pode, também, contar-se..." (José Niza)

E alegre se fez triste


Isto está bonito!...

Anda uma pessoa a "ensinar" Cidadania!...


De que se podem queixar os 63%?
Que experimentem levar no toutiço!

Quererão ter a liberdade de escolher quem lhes pode dar no toutiço?


A liberdade nas mãos da burocracia

... é um perigo!


Tudo "regimes exemplares" (ou não haveria lugar às manifestações)
E Angola, e Brasil?


A burocracite aguda
Ainda se descobre que os procedimentos vêm das Ordenações Afonsinas


Só para lembrar...


No respeito pelos Direitos Humanos, gostei de ver as direitas tão humanas.
Que assim permaneçam.


sexta-feira, 11 de junho de 2021

Homens de uma obra só

 Agora que já estamos na febre do Euro, alguém se lembrou de Éder.


De Éder se diz que não é grande jogador. 
Mas, marcou o golo que deu o título mais importante do futebol português. Não precisa de fazer mais nada.

Faz lembrar o Scott McKenzie com San Francisco.
Alguém conhece mais alguma canção sua?


Uma óptima canção, símbolo de uma geração.


António Torrado (1939-2021)


Poeta, dramaturgo e argumentista, antigo professor, com publicações no âmbito da pedagogia. 
Atingiu grande destaque na literatura para a infância e juventude, com uma obra de largas dezenas de títulos, amplamente premiada em Portugal e no estrangeiro.
Esteve ligado à recuperação e reinterpretação dos contos tradicionais e à política de promoção da leitura.

Recordo o seu encontro na Paulo da Gama com os meus alunos do 2.º 20, no longínquo ano lectivo de 1987-88, quando os sonhos eram muitos...

Inesquecível sessão, inesquecíveis os trabalhos realizados pelos miúdos. Ainda os guardo.


domingo, 6 de junho de 2021

Arte no Ar

Duas obras de Graça Morais numa aeronave do Aeroclube de Bragança: de um lado Maria, que retrata a figura da mulher transmontana; do outro, a figura do anjo.



«É uma mensagem poética, porque as mulheres voam sempre, mesmo sem levantar voo.» (Graça Morais)


sábado, 5 de junho de 2021

Listas verdes e as marquises da Europa

A Via Verde foi criada em Portugal.
Sabemos como funciona.

A Lista Verde, oportunamente adaptada e desadaptada a Portugal, é da autoria dos britânicos.
Funcionou assim (cronologicamente):
7 de Maio - O Reino Unido colocou Portugal na Lista Verde.
13 de Maio - A UEFA anunciou a final da Champions no Porto
29 de Maio - Realizou-se a final da Champions.
3 de Junho - O Reino Unido retirou Portugal da lista verde.

A leitura é muito linear, but... 

Conclusão:
É sempre melhor pensar que o caminho deve ser aquele que não nos coloca na dependência de variáveis complexas e aleatórias que não podemos verdadeiramente controlar. 

Decididamente, devemos pensar em alternativas ao serviço de carregamento de tacos de golfe e de aviamento de copos baratos.
Para se evitar a situação de sermos a marquise da Europa, mesmo que seja a marquise do Ronaldo ou a do Cavaco Silva.


P.S. - Talvez o futuro possa passar pelo comércio e instalação de caixilharias de alumínio.

Todas as coisas têm o seu mistério

... e a poesia é o mistério de todas as coisas.

Tenho medo de perder a maravilha
de teus olhos de estátua e aquele acento
que de noite me imprime em plena face
de teu alento a solitária rosa.

Tenho pena de ser nesta ribeira
tronco sem ramos; e o que mais eu sinto
é não ter a flor, polpa, ou argila
para o gusano do meu sofrimento.

Se és o tesouro meu que oculto tenho
se és minha cruz e minha dor molhada,
se de teu senhorio sou o cão,

não me deixes perder o que ganhei
e as águas decora de teu rio
com as folhas do meu outono esquivo.

Federico García Lorca

Federico García Lorca nasceu a 5 de Junho de 1898.


domingo, 30 de maio de 2021

Arroz de favas

«(…) E pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas! … Tentou todavia uma garfada tímida – e de novo aqueles seus olhos, que pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado: 
– óptimo!… Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!»

Eça de Queirós, A cidade e as serras


Acrescente-se o frango alourado...


Arroz de favas no restaurante de Tormes

Arroz de favas cá em casa (menos caldoso...)



Espólio de Alexandre Herculano

A Câmara Municipal de Santarém adquiriu espólio de Alexandre Herculano que esteve em leilão.


«Um acervo substantivo do espólio documental e pessoal de Alexandre Herculano (1810-1877), que a Leiloeira Renascimento acaba de levar à praça, foi adquirido pela Câmara Municipal de Santarém para enriquecimento dos fundos arquivísticos da cidade. O grande historiador e romancista, fundador do Romantismo em Portugal e vulto maior da Cultura do século XIX, viveu e morreu na sua quinta de Vale de Lobos (Azóia de Baixo, Santarém). O espólio agora apresentado - manuscritos anotados de obras suas, projectos e notas de investigação, correspondência pessoal e oficial, e parte de um diário íntimo onde narra as circunstâncias do exílio em França e nos Açores por causa da opressão miguelista - é de uma importância histórica assinalável.» (Vítor Serrão)

O espólio de Alexandre Herculano encontra-se agora dividido entre a Biblioteca Municipal do Porto, a Biblioteca Nacional e, presumo, a Biblioteca Municipal de Santarém (se a Biblioteca Nacional não exercer o direito de preferência, acção que se encontra em final de prazo).



sábado, 29 de maio de 2021

Adeptos do Manchester City na Alfândega... da Fé!...

Não encontro explicações para os confrontos entre adeptos do Chelsea e do Manchester City, após o jogo da final da Champions.

O jornal A Bola online informa que os grupos estavam bem separados: os do Chelsea no Porto, na Avenida dos Aliados, os do Manchester City bem longe, a 185 km de distância por estrada, na Alfândega da Fé. 


E depois dizem que não houve bolhas!...


Discos - Colheita 71 (1)

1971 foi um ano riquíssimo na edição discográfica.

Outros anos haverá (e outros gostos), mas não é fácil superar a qualidade do conjunto de álbuns editados. Encontrei cerca de três dezenas de álbuns incontornáveis - para mim.

Começo com aquele que é considerado por muita gente como o melhor disco português de sempre. Em 1978, o jornal Se7e reuniu um conjunto de 25 críticos e estes elegeram Cantigas do Maio, de José Afonso, como o  Melhor Álbum de Sempre da Música Popular Portuguesa.

Para mim é-o!

Foi o meu segundo álbum em vinil (o primeiro foi Jesus Cristo Superstar), comprado pela minha mãe no Círculo de Leitores, logo depois do 25 de Abril.


Disco proibido pela censura na Emissora Nacional - na Rádio Renascença a única canção permitida era... Grândola, Vila Morena - conhecia-o de ter ouvido em cassete gravada e emprestada por um colega de liceu, em 72-73, com o recado "Ouve, mas não mostres a ninguém!".


A capa desenhada por José Santa Bárbara: