"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A arte da lentidão

Um excelente texto de José Tolentino Mendonça sobre nós e a nossa vida, publicado já em 25 de Maio, no Expresso.
A falta de tempo "normal" impediu-me de o ler devidamente na altura, o que o tempo de férias me permitiu fazer agora.

«Talvez precisemos voltar a essa arte tão humana que é a lentidão. Os nossos estilos de vida parecem irremediavel­mente contaminados por uma pressão que não dominamos; não há tempo a perder; queremos alcançar as metas o mais rapidamente que formos capazes; os processos desgastam-nos, as pergun­tas atrasam-nos, os sentimentos são um puro desperdício: dizem-nos que temos de valorizar resultados, apenas resulta­dos. À conta disso, os ritmos de atividade tomam-se impiedosamente inaturais. (...) Passamos a viver num open space, sem paredes nem margens, sem dias diferentes dos outros, (...) Deveríamos, contudo, refletir sobre o que perdemos, sobre o que vai ficando para trás, submerso ou em surdina, sobre o que deixamos de saber quando permitimos que a acelera­ção nos condicione deste modo.
(...) A pressa condena-nos ao esquecimento. Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chega­mos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver.
Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisa­mente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecâ­nicas, dos gestos cegamente compulsi­vos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque nos temos de desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno. (...)
Mesmo se a lentidão perdeu o estatuto nas nossas sociedades modernas e oci­dentais, ela continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lenti­dão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcio­nal e utilitário; escolhe mais vezes convi­ver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo que pode ter luz.»
Amen




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