A falta de tempo "normal" impediu-me de o ler devidamente na altura, o que o tempo de férias me permitiu fazer agora.
«Talvez precisemos voltar a essa arte tão humana que é a lentidão. Os nossos estilos de vida parecem irremediavelmente contaminados por uma pressão que não dominamos; não há tempo a perder; queremos alcançar as metas o mais rapidamente que formos capazes; os processos desgastam-nos, as perguntas atrasam-nos, os sentimentos são um puro desperdício: dizem-nos que temos de valorizar resultados, apenas resultados. À conta disso, os ritmos de atividade tomam-se impiedosamente inaturais. (...) Passamos a viver num open space, sem paredes nem margens, sem dias diferentes dos outros, (...) Deveríamos, contudo, refletir sobre o que perdemos, sobre o que vai ficando para trás, submerso ou em surdina, sobre o que deixamos de saber quando permitimos que a aceleração nos condicione deste modo.
(...) A
pressa condena-nos ao esquecimento. Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos
com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar.
Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com
que vivemos impede-nos de viver.
Uma
alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por
tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento
interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma
lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente
compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque nos temos de
desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da
presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno. (...)
Mesmo se a lentidão
perdeu o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, ela continua a
ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado;
ousa transcender o meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver
com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de
sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo
que pode ter luz.»
Amen
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