«Eu não sei se havia um plano formulado com rigor e com suficiente clareza. O que sucedeu, isso sim, foi - já nos dias ou semanas que antecederam o 25 de Novembro e sobretudo nesse próprio dia (e apesar de nós acabarmos por ter o controlo da situação) - uma tentativa imediata de aproveitamento por parte da direita para recuperar toda a força e a supremacia da situação. Penso que não havia da parte deles um plano gizado com pormenor, com pés e cabeça, até porque julgo que não se sentiam ainda com força para isso, sabiam que, ao fim e ao cabo, quem comandava os acontecimentos no plano político e militar era o Grupo dos Nove e, portanto, não sabiam ainda orientar-se muito bem no meio de tudo isto. O que aconteceu, de facto, foi uma tentativa imediata de aproveitamento.
(...)
Quer dizer, ao fim e ao cabo, o que se passou no 25 de Novembro foram várias coisas, por isso se fala em mais do que um 25 de Novembro, entre elas a tentativa de o transformar numa "pinochetada" como eu costumo dizer. Isso é claríssimo e fez, obviamente, com que nos tivéssemos de bater, pelo menos, em duas frentes: aquela para a qual nos tínhamos preparado e outra, a da direita militar.»
Entrevista de M.ª Manuela Cruzeiro a Melo Antunes, Melo Antunes o sonhador pragmático
No plano político-militar, os militares conotados com as facções mais à esquerda foram afastados.
A direita política e militar "não ganhou" (se quisermos analisar dessa forma redutora - entre vitórias e derrotas, a situação) - não foi a vencedora imediata, "até porque não se sentiam ainda com força para isso", mas passou a ter condições para crescer.
Foram as forças moderadas que controlaram as operações militares do 25 de Novembro (e o fluxo político inerente, numa época em que o adjectivo militar andava a par com o adjectivo político). Mesmo o Coronel Jaime Neves, habitualmente conotado com posições mais à direita, e que se distinguiu nas acções desse dia, actuou sob a orientação do Tenente-Coronel Ramalho Eanes, comandante operacional a partir do Regimento de Comandos da Amadora. No Palácio de Belém, o Presidente, General Costa Gomes assumira o comando, coadjuvado por Vasco Lourenço (comandante da Região Militar de Lisboa) e Rocha Vieira, Chefe do Estado-Maior. Neste período, esteve reunido em permanência o Conselho da Revolução, dominado pelas posições do Grupo dos Nove (de que Melo Antunes era figura proeminente).
Todos estes militares tinham estado comprometidos com o 25 de Abril.
Mas, ao serem posteriormente afastados dos postos de chefia os elementos mais à esquerda, o cenário político começou a deslizar todo ele para a direita - entrámos no PCREC (o C de Contra).
Daqui advém a simpatia da direita pelo 25 de Novembro, a data em que a revolução foi travada, através do afastamento dos seus principais actores, e que se transforma em símbolo político por oposição ao 25 de Abril da esquerda. Por isso é preciso realizar a cerimónia - todos têm rituais.
A direita aproveitou-se, naturalmente, das condições que foram criadas, sem nada ter feito directamente, mas sabendo "orientar-se muito bem no meio tudo isto".
O 25 de Novembro é, a meu ver, o fim das utopias possíveis do 25 de Abril, aquelas que se abriram imediatamente após o dia inicial e limpo, quando todo o futuro nos pareceu estar por escrever.
Nota: O plural majestático da última frase será um exagero: com 15 anos inocentes (politicamente ignorante), não compreendia de todo os acontecimentos que então se desenrolavam.
2.ª nota - No meio de tanto que se tem dito e escrito, louvo aquilo que me parece ser o respeito pela verdade nos relatos que faz das situações vividas e a coerência da análise da parte do General Ramalho Eanes (nomeadamente no que se prende com a sua actuação) em todos os depoimentos que lhe conheço sobre os acontecimentos ocorridos em torno do 25 de Novembro de 1975. Concorde-se ou não com as posições que tomou...
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