Faleceu ontem Camilo Mortágua.
Pai das gémeas Mortágua (Joana e Mariana), dirigentes do Bloco de Esquerda, Camilo Mortágua destacou-se por ter participado em acções arrojadas contra o Estado Novo.
A primeira foi em Janeiro de 1961, no assalto ao paquete Santa Maria - a Operação Dulcineia, organizada pela Direção Revolucionária Ibérica de Libertação (DRIL) e comandada pelo Capitão Henrique Galvão. Do grupo faziam parte 11 portugueses, 11 espanhóis e 2 venezuelanos. Durante quase duas semanas o navio, rebaptizado com o nome de Santa Liberdade, navegou no oceano Atlântico sem rumo definido, fazendo campanha contra as ditaduras ibéricas.
Esta ação, iniciada a 22 de Janeiro, terminou no início de Fevereiro, quando o paquete entrou no porto do Recife (Brasil) e foi ocupado por fuzileiros navais.
Ainda em 1961, a 10 de Novembro, participou no desvio de um avião da TAP que fazia a ligação Casablanca - Lisboa, com o objectivo de sobrevoar a capital e lançar folhetos de denúncia do regime - Operação Vagô, executada por 5 homens e uma mulher, chefiados por Hermínio da Palma Inácio. Mais de 100 mil panfletos da Frente Antitotalitária dos Portugueses Livres no Estrangeiro, denunciando a "farsa fraudulenta" das eleições para a Assembleia Nacional que iam decorrer 2 dias depois, foram lançados sobre Lisboa, Setúbal,
Barreiro, Beja e Faro. O avião regressou a Marrocos (e o Brasil autorizaria o asilo político).
A 17 de Maio de 1967, com Palma Inácio, entre outros, participou no assalto à filial do Banco de Portugal
na Figueira da Foz, com o objectivo de financiar novas acções contra a ditadura. Os assaltantes fugiram numa avioneta estacionada no aeródromo de Cernache, para o Algarve (aterraram numa herdade) e, depois, já por terra, seguiram em direcção a Paris.
A Operação Mondego rendeu cerca de 30 mil contos, mas... 80% das notas desviadas foram anuladas pelo
Banco de Portugal, por não terem ainda entrado em circulação. Em 30 de Junho de 1967, o Banco de Portugal publicou um aviso
no qual referia: "(…) as notas roubadas não foram postas em circulação pelo que
não possuem curso legal e poder liberatório, nem são susceptíveis, a qualquer
tempo, de reembolso ou troca (...)".
Condenado à revelia a 20 anos de prisão por participar no assalto, Camilo Mortágua já estava em Paris quando soube da pena. Depois do 25 de Abril foi amnistiado por ter sido considerado que se tratava de um crime político.
Na sequência desta acção, a 19 de Junho, foi fundada a Liga de Unidade e
Acção Revolucionária (LUAR), em Paris (onde estava a maioria dos assaltantes da Figueira da Foz). Entre os seus dirigentes, para além de Camilo Mortágua, contaram-se Palma Inácio, Emídio
Guerreiro, José Augusto Seabra e, mais tarde, Fernando Pereira Marques.
Curiosamente, só foi preso... depois do 25 de Abril de 1974 (ouvi a referência pelo próprio, numa sessão filmada no Museu do Aljube), não sei exactamente em que circunstâncias.
Foi condecorado por Jorge Sampaio com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade, em 2005.
Escreveu Andanças para a Liberdade, 2 volumes, em que partilha as suas memórias de resistência e luta
contra a ditadura.