"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Os 500 anos de Camões e os 499 anos de um eclipse solar

Redescobriu-se agora que Camões terá nascido no dia 23 de janeiro de 1524, portanto, há 500 anos, um ano antes de ter ocorrido um eclipse do Sol.

Terá sido a sua mãe a contar-lhe? "Filho, no dia em que fizeste um aninho..." 

A hipótese parte da interpretação de um soneto em que o poeta se refere a esse fenómeno astronómico - ver Público.

Redescoberta, porque o que parece ser uma novidade já foi objecto de estudo há décadas. Em 1940, a Empresa Nacional de Publicidade editou, em Lisboa, As Memórias Astrológicas de Camões e Nascimento do Poeta em 23 de Janeiro de 1524, da autoria de Mário Saa.



Mesmo com tanto tempo de antecedência de conhecimento, sendo meio milénio uma data tão redonda e sendo Camões unanimemente exaltado como o egrégio poeta da Pátria, de comemorações condignas estamos falados. 

«Este país te mata lentamente», escreveu Sophia de Mello Breyner em Camões e a Tença.
Já Jorge de Sena tem o fabuloso poema Camões dirige-se aos seus contemporâneos.

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

E o próprio Camões, na sua grande experiência de vida, lamentava:

O favor com que mais se acende o engenho, 
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.

Pois parece-me que é isto!...


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