Miradouro da Graça (Miradouro Sophia de Mello Breyner) |
«(...) deixando esse miradouro [da Graça], quem tiver sorte nos acasos talvez atravesse o Largo (com a balbúrdia dos eléctricos e o pequeno comércio que lá formiga) e, a meio duma descida junto ao Quartel dos Bombeiros, se encontre de repente num recanto de beleza: Vila Berta.
Surge como uma rua fechada por um prédio com pinturas de azulejo sobre um túnel de passagem para a cidade envolvente. Dum lado e doutro casas bordadas de flores - e silêncio. Uma paz súbita, quase secreta. Uma intimidade que se sente já antiga.
No gosto e na construção Vila Berta não revela qualquer romantismo de burguesia provinciana. Também não usa de maneirismos e menos ainda de simetrias imediatas para resultar no bem composto. Pelo contrário, a fazer face às casas singelas dum dos lados da rua, projectam-se, do outro, arrojadas varandas de ferro, lançadas como pontões, e o admirável é que duma confrontação como esta resulta uma harmonia de encantar. Fidelidade à época e a um gosto pressentido, será isso? As colunas e os remates de remate lembram a escola de Eiffel e os desenhos de azulejo têm o colorido do despontar do século. E as flores?
Flores, na primavera e no verão a Vila Berta cobre-se delas. Rosas de grade e janela, rosas loucas, trepadeiras. Rosas e plantas de improviso em manchas de imaginação. Ver como eu lá vi, exposto num pontão deserto, um lavatório de bacia de porcelana a transbordar de chorões em chaga viva, é deparar com uma escultura de vanguarda num cenário fora do tempo. Cenário? Cenário, digo bem. Esta Vila, este pátio, tem qualquer coisa de palco aberto, basta olhar. Dum lado, varandas voltadas para a cena, em fundo a fachada dum prédio com os seus ornatos coloridos e o túnel de acesso à cidade.
Será por essa entrada que, numa noite de verão, alguém verá aparecer o Cavaleiro da Rosa inundado de luar. Dirá que o viu quedar-se a meio do pátio, empunhando bem alto a flor que o anunciava e rodeado de silêncio.»
José Cardoso Pires, Lisboa Livro de Bordo
(1997)
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