"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 12 de agosto de 2017

Procissão do Corpo de Deus - o espectáculo mais curioso de Lisboa


Vimos costume bem cham
nos Reys ter esta maneira
Corpo de Deus, Sam Joam
aver canas, procissam,
aos domingos carreira,
cavalgar pella cidade
com muyta solenidade
Ver correr, saltar, luctar,
dançar, cantar, montear,
em seus tempos e Hidade.
Garcia de Resende

A procissão do Corpo de Deus, criada em Portugal, em 1264, por D. Mateus (bispo de Lisboa), era a que condensava um maior sentido de espectacularidade, servindo de  modelo para as restantes que também se queriam grandiosas.

«(...) era a mais deslumbrante de todas as que se faziam em Lisboa. Era inigualável o empenho da população neste préstito cívico-religioso, pela participação das corporações dos vários mesteres da Casa dos Vinte e Quatro, que compareciam com seus castelos, bandeias e insígnias. Estas e outras fantasias - diabos, reis, príncipes e imperadores, feiticeiros, os tamborileiros a pé e os trombeteiros a cavalo, os repiques de sinos - alvoraçavam os alfacinhas na Procissão do Corpus Christi. Mas o que maior entusiasmo despertava era São Jorge e o seu Estado, ou seja, a imagem do santo guerreiro, a cavalo num soberbo ginete branco, o pajem, criança a cavalgar ao lado do santo e muito bem trajada, o alferes, revestido de armadura e viseira, conhecido por "homem de ferro", a capitanear quase meia centena de cavalos, conduzidos à mão por criados de cavalariça. Os cinco "Pretos de S. Jorge", com a simbologia do patrono, tocavam tambores, clarins e charamelas. Incorporavam-se no préstito algumas imagens, múltiplas comunidades religiosas, irmandades, o Cabido, o Senado, cavaleiros das três ordens militares, a aristocracia e a Família Real, todos de mantos brancos.»
Dicionário da História de Lisboa

A Procissão do Corpo de Deus no Rossio quatrocentista (Martins Barata, 1947)

«(...) era o espectáculo mais curioso de Lisboa do século XIV ao século passado, havendo atingido o seu auge de explendor em 1719, e embora depois fosse, gradualmente, perdendo a grandiosidade decorativa, conservava ainda antes da República, muito do pitoresco primitivo.»
Norberto Araújo, Peregrinações em Lisboa


D. Manuel II, segurando a vara direita do pálio,
na última Procissão do Corpo de Deus do tempo da monarquia (1910)


2 comentários:

  1. As obras transcritas não dão muito mais informação. Mas deverá haver muitas mais referências - surpreendi-me com a importância da procissão, a partir do reinado de D. João I. E há alguns "acontecimentos reais" curiosos a propósito da procissão.

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