Prémio mais do que justo para quem, já aos 88 anos, continua a pensar o país com uma lucidez que faz realçar, pelo contraste, a estupidez daqueles que não pensam... mas mandam.
«(...) ninguém ousa apresentar a conta dos inumeráveis gastos de tipo sumptuário e exibicionista que os novos ricos da política nacional acharam por bem efectuar. Se a título individual a nossa mentalidade de ricos nos obriga a contorsões caras, mas com juros à vista, a título oficial, a mesma mentalidade opera sem entraves e a responsabilidade dissolve-se ao abrigo da vaga rubrica dos "interesses superiores do Estado". (...) A segunda [República], que se quer revolucionária e socialista, nasceu ávida e esbanjadora como se o famoso "tesouro" do fascismo fosse herança pessoal da nova classe dirigente e não precário e precioso bem público. A austeridade pode ser um álibi, mas a falta dela não é prova de revolucionarismo. A demagogia política e o reflexo estrutural que nos caracteriza combinaram-se para produzir o fenómeno pasmoso de alimentarmos a máquina económica com o dinheiro dos outros, gasto alegremente como se fosse nosso. (...) Todavia alguém terá de pagar, cedo ou tarde, o preço que a aparência exige para ter um mínimo de realidade. Esse alguém é bem conhecido: chama-se povo, o povo que efectivamente trabalha e para quem, como escrevia Goethe, a maioria das revoluções que se fazem em seu nome não significam mais que a possibilidade de mudar de ombro para suportar a costumada canga.»
Eduardo Lourenço
Somos um povo de pobres com mentalidade de ricos
in O Labirinto da Saudade (1978)
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