"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Alves Redol - centenário do nascimento


O exemplo raro do centenário de
nascimento de um escritor
ser lembrado num pacote de açúcar
Alves Redol nasceu há 100 anos, em Vila Franca de Xira.

Com Gaibéus, o seu primeiro romance, editado em 1939 (data em que se vivia o fascismo e teve início a 2.ª guerra Mundial), é considerado o precursor do neorrealismo em Portugal. A sua escrita tem uma marca ideológica muito forte de resistência ao regime político, de intervenção ou militância política – a arte como contributo para o desenvolvimento da consciência e o progresso social.

Leitura obrigatória no Curso Complementar dos Liceus pós-25 de Abril, assim conheci os trabalhadores sazonais que das Beiras iam para a lezíria trabalhar na ceifa do arroz e que são o centro de Gaibéus.
«Propus-me com Gaibéus criar um romance anti-assunto, ou, melhor, anti-história, sem personagens principais que só pedissem comparsaria às outras.» (Breve memória para os que têm menos de 40 anos ou para quantos já esqueceram o que aconteceu em 1939, escreveu Redol em 1965)

Capa dos "meus" Gaibéus
(com marcas do tempo),
edição de 1976,
com letra muito miudinha
Redol, já falecido em 1969, tornou-se então presença certa nos manuais de Língua Portuguesa, mesmo nos do 2.º Ciclo, onde passagens de Constantino, guardador de vacas e de sonhos tinham lugar cativo. A sua estreia na literatura infantil tinha sido em 1956, com A vida mágica da Sementinha – Uma breve história do trigo. No final da vida viu publicado um outro conjunto de livros adequados à aprendizagem da leitura, a série A Flor, com quatro títulos recentemente reeditados pela Caminho.

Mas a sua obra é ainda mais variada: nela cabem textos jornalísticos, um estudo de carácter etnográfico (Glória, uma aldeia do Ribatejo), compilações de textos de tradição oral, contos, novelas, textos dramáticos (Forja será o mais conhecido) e os romances que o distinguiram como escritor, nomeadamente obras como o citado Gaibéus, Avieiros (1942), Fanga (1943), uma trilogia centrada no Douro e conhecida por “ciclo Port Wine” (1949-1953) e Barranco de cegos (1961).


Numa vida vivida, maioritariamente, em ditadura, consciente do grave estado de saúde em que se encontrava, escrevia a José Cardoso Pires poucos dias antes da sua morte:
«Um gajo tem sempre mais alguma coisa que gostava de fazer ou de dizer. Eu serei um dos que morre na incomunicabilidade com o seu tempo. Nunca me deixaram dizer-lhe o que de mais autêntico tinha para ele.»

O Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, tem em curso um conjunto de actividades evocativas do centenário do nascimento de Alves Redol.


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