«O mundo actual defronta-se com problemas muito graves de que as pessoas não têm consciência precisamente porque são incultas e porque não estudaram História. Os regimes políticos que, no pós-II Guerra Mundial, se tinham construído sobre uma base democrática retrocederam de modo que o processo de democratização não se completou. Quando se fala em Estado de Direito não se diz absolutamente nada. Lamento muito mas o nazismo era um Estado de Direito. Votar sem opções verdadeiras, sem discussão nacional, sem consciência, não é Democracia. Aliás, basta ver que foi aprovado um Tratado para a Europa sem ouvir os cidadãos e ratifi cando um incrível Acordo Ortográfico contra os pareceres competentes e o sentir das populações. Como tal, não estamos em Democracia em nenhum país. Nem sequer é um ideal porque todos os objectivos estão voltados para o mercado, que é o único valor. Precipitámo-nos para actividades económicas que nos encaminharam para becos sem saída. Todo o processo económico está estrangulado de tal maneira que o mundo é dirigido por grandes redes em relação aos quais os governos não têm qualquer poder, como se vê agora (...). Dizem-nos que não pode haver emprego que não seja precário? Quem diz isto não ganha 400 ou 500 euros nem tem empregos precários. As políticas ditas neoliberais fracassaram, desembocando numa crise mundo de incalculáveis dimensões, mas certamente estrutural. A orientação do equilíbrio das contas públicas não integradas num planeamento económico que vise o bem público não evita essa derrapagem. Lembre-se que Salazar saneou as finanças, chegando a obter superavite - e o que tivemos depois? 40 anos de atraso do país. Além do fracasso das democracias e do triunfo de uma economia da desigualdade, defrontamo-nos com outro problema crucial: o fanatismo religioso e o ataque à laicidade. Volta-se à obsessão da tradição como combate à modernidade, violando-se direitos humanos essenciais. Esse enquistamento de doutrinas e práticas que consideraríamos obsoletas ateiam vagas de extrema violência, tornando insuportável a vida quotidiana. Porque não voltamos à utopia?»
Vitorino Magalhães Godinho
Entrevista ao JL, 17 de Junho de 2008
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