"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vitorino Magalhães Godinho poderia ter escrito hoje

Se não estivesse datado, poderíamos pensar que tinha sido escrito agora.

«O 25 de Abril parecia ter tornado possível inventar um futuro para esta pátria que sobrevivia em apagada e vil tristeza, decompondo-se. Um desafio sem precedentes se pôs aos Portugueses, reconduzidos ao rectângulo peninsular e aos arquipélagos adjacentes - ao espaço da primeira metade de Quatrocentos, após cinco séculos em pedaços pelo mundo repartidos; (...)
E no entanto assim não foi. É que essas opções implicavam transformar estruturalmente, do âmago, as nossas terras e gentes, na liberdade e na cidadania, com o esforço colectivo conjugado de todos a enfrentar os nossos autênticos problemas depois de aprofundadamente estudados, segundo linhas inovadoras mas que não calcassem o legado de séculos de labuta e de acumulação de um património. (...) E a aventura - reflectida, metódica, tecnicamente preparada, como a largada das caravelas de Quatrocentos - tinha de cartografar previamente, com precisão, o que somos, o que temos sido, o que queremos ser; e construir solidamente o barco, tecer velame capaz de resistir aos temporais, erguer mastros que não quebrassem sob as rajadas de vento, colocar leme forte para aguentar o rumo da bolina, preparar os pilotos e homens de manobra. Tão pouco disso se fez, afinal!»
Prefácio à 2.ª edição de Ensaios II
(Dezembro de 1976)


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