Ainda na sequência da edição de Portugal e o Futuro, de Spínola, Marcelo Caetano terá sugerido ao Presidente da República que aceitasse a exoneração do executivo e formasse outro Governo "com maior liberdade de movimentos e que esconjurasse o perigo iminente". É o próprio Marcelo Caetano que afirma, no seu Depoimento, que a exoneração iria lançar o país no desconhecido: «O Senhor Presidente respondeu que a minha exoneração não fazia sentido: o País mostrava confiança em mim, ele só tinha razões para a manter também. (...) Portanto, o que havia a fazer era procurar, pelos meios constitucionais, obter a expressão da vontade da Nação e, de acordo com ela, proceder então.»
Marcelo Caetano resolveu usar da faculdade constitucional de discursar na Assembleia.
No dia 5 de Março, o Presidente do Conselho fez uma comunicação à Assembleia Nacional - "Reflexão sobre o Ultramar" -, a reafirmar a sua política africana, marcando as suas divergências com o General Spínola (sem qualquer referência explícita a este ou ao seu livro).
A Assembleia Nacional, no dia 8 de Março, aprovaria por unanimidade e aclamação uma moção de apoio à política ultramarina exposta por Marcelo Caetano.
No "campo oposto", 194 oficiais, mais 3 delegados da Armada com o estatuto de observadores, reuniram no atelier (de salas praticamente vazias) do arquitecto Braula Reis, em Cascais - era a reunião do Movimento dos Capitães, onde seriam aprovadas as suas bases gerais programáticas no documento "O Movimento, as Forças Armadas e a Nação".
«A casa era pequena para conter tanta gente! Chegámos a admitir a hipótese, preocupante, de o soalho abater sob o peso demasiado».
Melo Antunes fez a leitura do documento (de que destaco três passagens):
«Os militares conscientes sabem, porém, que a solução do problema ultramarino é política e não militar (...), uma solução política que salvaguarde a honra e dignidade nacionais, bem como os interesses legítimos dos portugueses instalados em África, mas que tenha em conta a realidade incontroversa e irreversível da profunda aspiração dos povos africanos a se governarem por si próprios - o que implica necessariamente fórmulas políticas, jurídicas e diplomáticas extremamente flexíveis e dinâmicas. »
«Trata-se, portanto, antes de mais nada e acima de tudo, da obtenção a curto prazo de uma solução para o problema das instituições no quadro de uma democracia política.»
«Só nestas condições poderão as Forças Armadas alcançar o prestígio que reivindicam, pois só então haverá garantias da necessária unidade entre o Povo e as instituições militares; na verdade o exército só será o "Povo em armas" quando entre o Exército e o Povo não existirem quaisquer barreiras, quando o Exército for realmente a encarnação de uma vontade colectiva de defesa, de uma afirmação insofismável, feita pelo próprio Povo, da segurança e independência nacionais.»
Não foi pacífica a sua aceitação. A "saudável e vigorosa" discussão decorreu até de madrugada e nem todos assinaram o documento - 111 assinaturas.
«Aqueles que assinaram desde logo, se o fizeram conscientemente, vincularam-se a um projecto político que não deixava margem para grandes dúvidas, embora, como Melo Antunes cuidadosamente acentuava , o texto se destinasse "à reflexão crítica de todos os camaradas em torno dos problemas que afectam as FA e a Nação na actual conjuntura e à busca de uma linha comum de pensamento e acção dentro das FA".»
Foi o último grande encontro de activistas do Movimento antes do 25 de Abril de 1974.
O rectângulo vermelho localiza a placa que assinala a realização da reunião do MFA no 1.º andar daquele edifício (foto de 2012) |
Placa comemorativa da realização da reunião do MFA de 5 de Março de 1974. |
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