"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Adília Lopes (1960 - quase 2025)

Morreu a poetisa Adília Lopes.

«A minha poesia é uma epopeia da vida menor. Não é a descoberta do caminho marítimo para a Índia. É o caminho do corredor de minha casa entre a sala onde escrevo e leio e a cozinha. É doméstica. É feminina.» (de uma entrevista)

«Nunca consegui escrever nada com projetos, planos, programas, esquemas, prazos. Grão a grão, verso a verso, enche a galinha ao papo. Pôr o carro à frente dos bois. Assim é que funciona para mim.»


domingo, 29 de dezembro de 2024

Un son para Portinari

Pela produção vídeo (sobretudo):


Pela força da interpretação:



O pintor brasileiro Cândido Portinari nasceu a 29 de Dezembro de 1903.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Jorge Sousa Braga, o Exercício de mais um aniversário

Não sei quem me ensinou a voar
não sei quando comecei a voar

mas lembro-me nas primeiras tentativas
de me estatelar no chão

Aprendi a voar sem asas
aprendi a caminhar sobre brasas

aprendi a caminhar sem ter chão

Jorge Sousa Braga

As mesmas iniciais de JSB (Johann Sebastian Bach)


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O Poema Pouco Original do Medo

Montagem copiada da conta de fb de Viriato Teles


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
     (assim assim)
escriturários
     (muitos)
intelectuais
     (o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

                *

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill

E se os altos dignitários não percebem a indignidade da acção de reacção à percepção... façam-lhes um desenho, expliquem-lhes com se fossem muito burros! 


Rádio Macau: 40 anos


"Rádio Macau: 40 Anos", um especial em dois episódios, para ouvir já em http://antena1.rtp.pt/.../a-estreia-dos-radio-macau 
O primeiro episódio estreia-se na emissão da Antena 1 este Domingo (22 Dez), depois do noticiário das 15h.

Bom dia, Lisboa

15 anos antes da passagem da administração do território de Macau para a China.

Os Rádio Macau eram de outro território (começaram na linha de Sintra).


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Vitorino Nemésio - 123 anos do nascimento

Também Vitorino Nemésio nasceu a 19 de Dezembro, em Santa Cruz (Praia da Vitória), no primeiro ano do século XX.

«Pois eu sou ao mesmo tempo e acima de tudo português açoriano europeu, americano brasileiro, e por tudo isto românico hispânico e ocidental, e gostava de ser homem de todo o mundo.»



O'Neill, Alexandre O'Neill


Auto-retrato

O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…

100 anos do nascimento de Alexandre O'Neill


Alexandre O'Neill - Foto de Fernando Lemos (1949)

"Para ti o tempo já não urge."


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Aconselhado a todos os que sabem ler

 

Declínio das competências dos adultos portugueses começa logo aos 25 anos

(para quem puder ler no Público)


Isabel Silvestre, A gente não lê


É simples: é o básico!

 

Rui Veloso, A gente não lê

Não escrevo mais... para não atrapalhar a compreensão. 


Naquele tempo...

Naquele tempo, viver era a melhor coisa do mundo.
Quando nascia o sol todas as pessoas viam
e os homens eram crianças para além dos montes.
Era uma planície, grande como convém a todas as planícies
E plana porque tudo estava certo.
Naquele tempo tínhamos sido criados e éramos iguais às ervas e às flores.

Tu,
tão perfeita que era impossível não seres,
tão erguida como um riso de andorinha,
tu estavas ao meu lado, naturalmente fresca,
e não havia motivos nem razões porque sabíamos tudo.
A nossa teologia era o beijo da criança mais próxima
e ao deitarmo-nos na terra como folhas da mesma planta,
gratos, reduzidos, conscientes.
Olhando para cima, o céu abria-se e todos os Anjos vinham sentar-se no rebordo

e riam como nós pequenas gargalhadas.
Eu cantava canções mais belas do que não tendo palavras
e ouvias-me em silêncio e de olhos abertos exactamente como a todos os sons.

Pedro Tamen, Poema para  todos os Dias


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Primaveras há muitas, seu palerma!...


E não me lembro de nenhuma que tenha florido... desde a de Praga (68) e a Marcelista às árabes (2010-12 - Tunísia, Egipto, Líbia, Iémen, Bahrein, Síria - já em Março de 2011, com a tentativa de deposição de Bashar Al-Assad...). 

Estaremos cá para ver o tipo de festa...


domingo, 8 de dezembro de 2024

Empolamentos

Na análise futebolística pululam os resultados históricos, as reviravoltas épicas e os lances arrepiantes.

É melhor que os jornalistas desportivos se contenham nos superlativos. Exageram nas hipérboles e repetem-nas à exaustão. Pelo menos... arranjem outras!

Já cansa!


sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Coerentemente ressabiado

Significativa a ausência de Cavaco Silva na Assembleia da República, na sessão solene evocativa do 100.º aniversário de Mário Soares.


Mário Soares como o centro político


Foi interessante ouvir os discursos dos representantes dos partidos na sessão solene comemorativa do 100.º aniversário do nascimento de Mário Soares, na Assembleia da República.

Funcionaram com uma clareza cristalina como identificadores da posição dos partidos no espectro político e da sua leitura histórica do Portugal contemporâneo, sobretudo o pós-25 de Abril.

E sobretudo o pós, porque o Chega e o CDS não focaram o papel de Soares na luta contra o Estado Novo, enfatizando, antes, o seu papel negativo no processo de descolonização (em que se centrou quase todo o discurso de André Ventura, em tom acusador para com um dos "donos disto tudo", com palmas estridentes do seu grupo). Neste sector, Soares só se salvou pela sua acção no Verão Quente e no 25 de Novembro e pelos primeiros passos em relação à União Europeia. O CDS nem se lembrou (ironia! Logo eles que nem a Constituição aprovaram...) que tinha participado num Governo de coligação com o PS, embora destacasse o mérito de Soares por nunca ter construído maiorias à esquerda. 

Personagem criadora de luzes e de sombras, reconhecidamente um democrata e "no lado certo nos momentos fundamentais", segundo a IL, que recordou a sua duvidosa gestão de um esquecido território de Macau. É preciso ter memória!...

Do PSD, o reconhecimento do valor do adversário - "inabalável construtor da democracia, que até ao fim dos seus dias serviu Portugal", embora... se tenha enganado muitas vezes. Houve um cheirinho a cravos na afirmação de que "recordar Mário Soares é celebrar Abril".

O PAN realçou o progressista e humanista com preocupações ambientais. Destaque para a similitude das bochechas de Mário Soares e de... Inês Sousa Real

Ao centro desta paleta de posições, a jogar em casa, o PS valorizou toda a acção de Soares, cuja vida política vale como um todo. "Para a avaliar, não podemos escolher o período que mais nos convém ou mais nos agrada, de acordo com a conjuntura do momento ou a posição que queremos defender".

Caminhando para a esquerda, começa a sobressair o Soares anti-fascista, podendo pesar alguns contras.

O Livre, mais positivo, valorizou o europeísmo do antigo Presidente, adivinhando o que seria a sua atitude inclusiva perante a imigração. Refrescante a valorização do direito ao descanso - não vivemos só para trabalhar -, lembrando o gosto de Soares pelas sestas.

O BE evocou algumas das suas contradições políticas, mas elogiou a posição de princípio relativamente à questão palestiniana e a defesa dos dois estados.

O PCP sobrelevou a ação política de Soares na luta contra o fascismo, reconhecendo as divergências "no caminho a seguir da revolução". Ressalvou a "relação de respeito mútuo" e não deixou de evocar a posição de apoio do PCP na 2.ª volta das presidenciais de 1986, a qual permitiu a eleição de Soares.


Falando de Mário Soares, os partidos falaram muito de si, de como se posicionam face à História e do momento em que se encontram.

Como disse José Soeiro, do BE, Soares "nunca pediu desculpa por ser político, e por viver intensamente a política". "Com Soares e contra Soares, é sempre uma forma de partir de Soares. E é porventura o modo elevado de reconhecimento que merece um político como Soares: cem anos depois de ter nascido, continuarmos a discutir com ele."



quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Obra de Adriano Correia de Oliveira classificada como de interesse nacional

«A voz do Adriano era uma voz alegre e triste. Solidária e solitária, havia nela ternura e mágoa, esperança e desesperança, amparo e desamparo, festa e luta. E também saudade e fraternidade.»

«Importa assinalar a importância que tiveram as Trovas de Adriano e as Baladas do Zeca como estímulos e factores de mobilização da luta estudantil. Importa ainda sublinhar que essa junção da poesia e da música constituiu na altura o verdadeiro vanguardismo estético português.»

Manuel Alegre

Na sequência da petição promovida pelo Centro Artístico, Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira (de Avintes), o PS e o PCP apresentaram dois projectos de resolução para que a obra de Adriano Correia de Oliveira fosse classificada como de interesse nacional pela Assembleia da República - uma forma de preservar e divulgar o trabalho de umas das principais figuras da canção portuguesa do século XX. 

A aprovação aconteceu hoje.  


segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O talento português para herói da escravatura


... e pelas fardas!

Parafraseando Mário Cláudio, «Dou-lhe a liberdade de opção, o que nele determina essa resistência do português-tipo à tolerância, vista sempre como uma espécie de obstáculo ao atávico talento para herói da escravatura.» (Diário Incontínuo)

Daí a admiração salazarenta por Salazar...

Será por isso que, em Abril de 74, nas palavras de António Campos em entrevista ao Público (ontem), Mário Soares "não acreditava na cultura democrática do povo português"?

Afinal, Salazar teria razão na sua ideia de que “os portugueses não estão preparados para uma democracia”?
Continuamos a não estar? 
Será cultural?


domingo, 1 de dezembro de 2024

Pedro Tamen - O Dia

Fresco era o dia, plantado na chuva,
jovens os relógios tocando Mozart... 
Os carros corriam, os passos passavam
e os velhos sentados dormiam no tempo
regressos perdidos de todas as sombras.
Pássaro poisado na alma da tarde,
era todo o sol natural inverno...
O mar estava perto nos olhos da gente, 
um barco chegava em cada minuto
e o segredo bailava nas mãos da criança.

 (...)

Pedro Tamen

Pedro Tamen faria hoje 90 anos.

Mozart, Sonata n.º 12, Adagio


sábado, 30 de novembro de 2024

Os óculos de Fernando Pessoa (3)

«Mas agora basta, meu caro António Mora, viver a minha vida foi viver mil vidas, estou cansado, a minha vela gastou-se, faça-me um favor, dê-me os meus óculos.

António Mora ajustou a túnica. Prometeu urgia-lhe.

Ó céu divino, exclamou, velozes ventos alados, nascentes dos rios, sorriso inumerável das ondas marinhas, terra, mãe universal, a vós invoco, e ao globo do Sol que tudo vê, vede a que estou sujeito.

Pessoa suspirou. António Mora tirou os óculos de cima da mesa-de-cabeceira e pô-los na cara de Pessoa. Pessoa abriu muito os olhos e as suas mãos pararam sobre o lençol. Eram exactamente vinte horas e trinta.»

António Tabucchi, Os últimos três dias de Fernando Pessoa



Os óculos de Fernando Pessoa (2)


«Penso nos Heterónimos de Fernando Pessoa. A ilustração vulgar, utilizada, tem um valor iconológico na pessoalidade do poeta, fazendo dos símbolos valores pictóricos-literários. Mas é consciente, em mim, esta disparidade formal: é o poeta e não eu-pintor que está em causa.»

António Costa Pinheiro, Caderno de Atelier n.º 3, Dezembro de 1973

«Símbolos? Estou farto de símbolos...
Mas dizem-me que tudo é símbolo.»
Álvaro de Campos


Os óculos de Fernando Pessoa

António Costa Pinheiro, Os óculos de Fernando Pessoa (1980)

Fernando Pessoa morreu na noite do dia 30 de Novembro de 1935.

As suas últimas palavras, dirigidas à enfermeira pouco antes de morrer, terão sido “Dê-me os óculos”.

«... como se deles precisasse para entrar pela noite dentro ou por um súbito desejo de escrever um último e impossível poema.» (Luís Osório)


«Os óculos de Fernando Pessoa são dois monóculos de Álvaro de Campos. O Pessoa está por trás.
Não há nada de especial neste facto, a não ser para os que julgam que uns óculos servem para ver melhor ou a dobrar ou em diferente, e não é o caso. Uns óculos, desde que bem pensados e bem vistos, servem sempre para a pessoa se esconder. E se se puser uma gaivota numa das lentes, então é que ainda melhor: então é que fica só a paisagem de dentro fingindo que é a de fora, não sei se me faço entender.

António Costa Pinheiro, Os óculos-gaivota do poeta Fernando Pessoa, 1976

Ora, o Costa Pinheiro (...) fingiu-os. E para comprometer ainda mais pôs-lhes a tal gaivota que os desmente. Pôs tudo diante deles: caneta e mãos, horizonte largo, o Além. Um celebrante no altar.
Quando o Fernando Pessoa se viu assim passou os dedos pelos olhos frios e pediu delicadamente: 
"Os meus óculos, senhor Pinheiro."»
José Cardoso Pires, O Jornal, 9 de Janeiro de 1981

António Costa Pinheiro, O espaço poético de Fernando Pessoa, 1977


sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Relayer - 50.º aniversário do lançamento

O último grande - e quão grande! - álbum dos Yes.

A partir daqui... plano descendente (um problema comum aos grandes grupos de rock progressivo).

Rick Wakeman tinha abandonado o grupo após Tales from Topographic Oceans, mas foi muito bem substituído por Patrick Moraz. 

O lado A do disco é uma peça única, Gates of Delirium, inspirada por Guerra e Paz, de Tolstoi. Tem das passagens musicais mais "duras" dos Yes, mas termina num suave e apaziguador ambiente, que deu origem ao single Soon, ganhando alguma autonomia em relação à suite de que faz parte.

Foi dos discos que, saindo pós-25 de Abril, pôde ser logo ouvido - antes, os discos custavam a chegar cá. A cassette com a sua gravação foi gasta...  


Navios eléctricos da Transtejo: tem sido isto

Os novos navio revelam-se mais lentos - a aproximação ao cais é demorada (medo de amolgar?) -, parecem mais "frágeis" e a sua autonomia é reduzida (li que era apenas de 70 minutos).

Se a duração da viagem se aproxima dos 25 minutos, faz uma viagem para lá, faz uma viagem para cá e... tem de ir carregar as baterias. Como nem todos os cais têm posto de carregamento... 

Quando preciso de chegar a horas e vejo que me calha um dos novos navios... é um sufoco!

No cais do Seixal, a presença dos novos barcos origina situações caricatas, difíceis de explicar a quem não convive com estas situações. Mais de que uma vez, os passageiros que aguardavam barco no terminal tiveram de sair sala de embarque, voltar ao exterior e aceder ao cais secundário (que não tem pontos de controlo de entrada dos passageiros), para apanhar um catamarã dos antigos, porque... o cais principal está ocupado com um navio eléctrico a carregar. 

Ou muito me engano ou os barcos eléctricos serão um perfeito (e oneroso) fiasco. 




A Europa faz a faxina


A subserviência em relação aos EUA.

Sobre a guerra no Médio Oriente... zero! Ninguém falou...

 

Black Friday nas redes sociais para os simpatizantes do Chega

 

Hoje, as redes sociais estão pejadas de comentários encomiásticos ao Chega e de escacha-pessegueiro nos políticos, na sequência do circo montado no Parlamento.

São usadas muitas maiúsculas.
Os erros de Português são de arrepelar os cabelos! 
Os valores e a retórica ainda mais!

Grunhices!...


quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Cante Alentejano como Património Imaterial da Humanidade - 10 anos

Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa (anos 60-70)

Há 10 anos, a UNESCO elegeu o Cante Alentejano como Património Imaterial da Humanidade. 



terça-feira, 26 de novembro de 2024

E fomos pela água do rio

 


e fomos pela água do rio
em busca daquela terra
e a maré foi de rosas pela boca
na calmaria tão grande
e assim como fosse cansado
a água vai muito mansa
e o meu corpo suado
embalado
flutua e descansa

(...)

Fausto cumpriria hoje 76 anos.


segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O 25 de novembro enquanto mistificação

«O 25 de Novembro pode e deve ser comemorado, mas é como ele foi, “como ele foi” foi sem dúvida importante no processo que, do 25 de Abril à plena democracia, teve várias etapas. O nascimento da nossa democracia, a partir da conquista da liberdade em 25 de Abril, demorou mais ou menos dez anos. Esses anos foram convulsivos, conflituais, mas o que é que se esperava da queda de uma ditadura, que conduzia uma Guerra Colonial, com censura todos os dias, com uma polícia política sem lei, com prisões e repressão, com altas taxas de analfabetismo, emigração em massa e enorme pobreza? Queriam que essa transição fosse “higiénica”, sem pecado? Muito bem, ajudassem a derrubar a ditadura mais cedo, a acabar com a guerra, pagando as consequências, e para isso muitos dos que se queixam do tumulto do pós-25 de Abril, com efeitos trágicos em particular nas colónias, não mexeram uma palha.

(...)

A mistificação histórica e política do 25 de Novembro apouca-o, porque o seu significado real justificava uma comemoração digna nos seus 50 anos, em 2025. O problema é que as pessoas a serem homenageadas seriam, com excepção de Jaime Neves – o herói solitário das comemorações “fake” de 2024 –, o Presidente general Costa Gomes, os militares do Grupo dos Nove, que são os mesmos que hoje se recusam a ir a estas comemorações, os seus vivos como Vasco Lourenço ou Sousa e Castro – demasiado “esquerdistas” para os propugnadores das comemorações “diabólicas” –, Ramalho Eanes e, no plano civil, Mário Soares, os seus companheiros da luta da Fonte Luminosa e os homens do PPD, Sá Carneiro e Emídio Guerreiro. Ou seja, tudo gente que merecia a “verdadeira” homenagem, e não a que tem na sua propositura na Assembleia um destacado membro da resistência armada ao 25 de Abril e os membros da direita radical no CDS e no PSD. Vão todos participar numa mistificação histórica, que é ao mesmo tempo uma menorização do valor do 25 de Novembro.»

José Pacheco Pereira, Público, 23 de Novembro de 2024


domingo, 24 de novembro de 2024

25 de Novembro - No aproveitar é que está o ganho

«Eu não sei se havia um plano formulado com rigor e com suficiente clareza. O que sucedeu, isso sim, foi - já nos dias ou semanas que antecederam o 25 de Novembro e sobretudo nesse próprio dia (e apesar de nós acabarmos por ter o controlo da situação) - uma tentativa imediata de aproveitamento por parte da direita para recuperar toda a força e a supremacia da situação. Penso que não havia da parte deles um plano gizado com pormenor, com pés e cabeça, até porque julgo que não se sentiam ainda com força para isso, sabiam que, ao fim e ao cabo, quem comandava os acontecimentos no plano político e militar era o Grupo dos Nove e, portanto, não sabiam ainda orientar-se muito bem no meio de tudo isto. O que aconteceu, de facto, foi uma tentativa imediata de aproveitamento.

(...)

Quer dizer, ao fim e ao cabo, o que se passou no 25 de Novembro foram várias coisas, por isso se fala em mais do que um 25 de Novembro, entre elas a tentativa de o transformar numa "pinochetada" como eu costumo dizer. Isso é claríssimo e fez, obviamente, com que nos tivéssemos de bater, pelo menos, em duas frentes: aquela para a qual nos tínhamos preparado e outra, a da direita militar.»

Entrevista de M.ª Manuela Cruzeiro a Melo Antunes, Melo Antunes o sonhador pragmático

No plano político-militar, os militares conotados com as facções mais à esquerda foram afastados.

A direita política e militar "não ganhou" (se quisermos analisar dessa forma redutora - entre vitórias e derrotas, a situação) - não foi a vencedora imediata, "até porque não se sentiam ainda com força para isso", mas passou a ter condições para crescer.

Foram as forças moderadas que controlaram as operações militares do 25 de Novembro (e o fluxo político inerente, numa época em que o adjectivo militar andava a par com o adjectivo político). Mesmo o Coronel Jaime Neves, habitualmente conotado com posições mais à direita, e que se distinguiu nas acções desse dia, actuou sob a orientação do Tenente-Coronel Ramalho Eanes, comandante operacional a partir do Regimento de Comandos da Amadora. No Palácio de Belém, o Presidente, General Costa Gomes assumira o comando, coadjuvado por Vasco Lourenço (comandante da Região Militar de Lisboa) e Rocha Vieira, Chefe do Estado-Maior. Neste período, esteve reunido em permanência o Conselho da Revolução, dominado pelas posições do Grupo dos Nove (de que Melo Antunes era figura proeminente).

Todos estes militares tinham estado comprometidos com o 25 de Abril.  

Mas, ao serem posteriormente afastados dos postos de chefia os elementos mais à esquerda, o cenário político começou a deslizar todo ele para a direita - entrámos no PCREC (o C de Contra).

Daqui advém a simpatia da direita pelo 25 de Novembro, a data em que a revolução foi travada, através do afastamento dos seus principais actores, e que se transforma em símbolo político por oposição ao 25 de Abril da esquerda. Por isso é preciso realizar a cerimónia - todos têm rituais.

A direita aproveitou-se, naturalmente, das condições que foram criadas, sem nada ter feito directamente, mas sabendo "orientar-se muito bem no meio tudo isto". 

O 25 de Novembro é, a meu ver, o fim das utopias possíveis do 25 de Abril, aquelas que se abriram imediatamente após o dia inicial e limpo, quando todo o futuro nos pareceu estar por escrever. 

Nota: O plural majestático da última frase será um exagero: com 15 anos inocentes (politicamente ignorante), não compreendia de todo os acontecimentos que então se desenrolavam.    

2.ª nota - No meio de tanto que se tem dito e escrito, louvo aquilo que me parece ser o respeito pela verdade nos relatos que faz das situações vividas e a coerência da análise da parte do General Ramalho Eanes (nomeadamente no que se prende com a sua actuação) em todos os depoimentos que lhe conheço sobre os acontecimentos ocorridos em torno do 25 de Novembro de 1975. Concorde-se ou não com as posições que tomou... 



Stormy Weather

 


sábado, 23 de novembro de 2024

Ter paixão - Herberto Helder

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua
paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos no mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a
paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega
Herberto Hélder, A faca não corta o fogo


Herberto Helder nasceu a 23 de Novembro de 1930.



sexta-feira, 22 de novembro de 2024

The Lamb Lies Down on Broadway - 50 anos

Um dos discos da minha vida!

O auge do rock progressivo, em dose dupla, com camadas de criatividade e golpes de mestre.
Será o álbum mais teatral do grupo - a narração da história de autodescoberta de Rael - que precisa de ser ouvido como uma peça única e não como um conjunto de faixas independentes, com uma envolvência e composições poderosas. 

Por isso, a interpretação integral do disco nos seus concertos, com as músicas pela mesma ordem.
Se os Genesis já eram uma banda obrigatória de ver ao vivo, com a mega tournée deste álbum os seus concertos tornaram-se cada vez mais globais e aparatosos na concepção cénica, com luzes, projeções, máscaras, trajes e cenários exclusivamente desenhados para as músicas do álbum. 

Digo do que li, do que vi em fotografia, do que ouvi gravado e do que ouvi contar a quem assistiu aos concertos dados em Cascais, a 6 e 7 de Março de 75 (tenho o concerto gravado em cassette). Ainda fui considerado demasiado novo para me deixarem ir sozinho!... 

Vivia-se o período revolucionário - é mítica a presença de tanques e de militares de G3 (de que chegaram a fazer uso... sem vítimas! Os disparos foram para o ar). Steve Hackett, o guitarrista, que há uma semana deu um concerto no Campo Pequeno, disse que se recorda de explosões e dos disparos.  

Assisti, na Aula Magna, ao concerto dos The Musical Box, grupo canadiano que se dedica à recriação dos concertos dos Genesis - uma verdadeira recriação histórica, feita ao pormenor, com autorização dos Genesis, que colaboraram na concepção do espectáculo e... os elogiaram! 

Diz quem assistiu em 1975 que foi exactamente assim!

É incrível pensarmos que não existe uma gravação vídeo da digressão - não terá sido autorizada (e ainda não havia telemóveis!). 




The Lamb Lies Down on Broadway marca, também, o fim da melhor fase dos Genesis, um dos grupos mais emblemáticos do rock progressivo inglês.

Peter Gabriel anunciou o abandono da formação durante a digressão. Mais dois discos, ainda bons, e foi a saída de Steve Hackett.
A partir daí... plano descendente - irrelevância musical (por muito que possam ter vendido).

Muitas (e boas) memórias em cada audição deste disco...


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

25 de novembro - Resumo

«Os futuros compêndios de História poderão resumir o evento em escassas linhas: Após um Verão Quente de disputa entre forças revolucionárias e forças moderadas, pela ocupação do poder, civis e militares chegaram ao outono a contar espingardas. O confronto tantas vezes anunciado pareceu por fim inevitável, quando, na madrugada de 25 de Novembro, tropas pára-quedistas ocupam diversas bases aéreas, na expectativa de receber apoio do COPCON. Mas um grupo operacional de militares, chefiado por Ramalho Eanes, liquidou a revolta no ovo, substituindo o PREC (Processo Revolucionário em Curso) pelo “Processo Constitucional em Curso”»

Maria Manuela Cruzeiro, 25 de NOVEMBRO- QUANTOS GOLPES AFINAL?

Início da comunicação apresentada em 2005, no Colóquio sobre o 25 de Novembro, realizado no Museu da República e da Resistência (Lisboa)