Foi interessante ouvir os discursos dos representantes dos partidos na sessão solene comemorativa do 100.º aniversário do nascimento de Mário Soares, na Assembleia da República.
Funcionaram com uma clareza cristalina como identificadores da posição dos partidos no espectro político e da sua leitura histórica do Portugal contemporâneo, sobretudo o pós-25 de Abril.
E sobretudo o pós, porque o Chega e o CDS não focaram o papel de Soares na luta contra o Estado Novo, enfatizando, antes, o seu papel negativo no processo de descolonização (em que se centrou quase todo o discurso de André Ventura, em tom acusador para com um dos "donos disto tudo", com palmas estridentes do seu grupo). Neste sector, Soares só se salvou pela sua acção no Verão Quente e no 25 de Novembro e pelos primeiros passos em relação à União Europeia. O CDS nem se lembrou (ironia! Logo eles que nem a Constituição aprovaram...) que tinha participado num Governo de coligação com o PS, embora destacasse o mérito de Soares por nunca ter construído maiorias à esquerda.
Personagem criadora de luzes e de sombras, reconhecidamente um democrata e "no lado certo nos momentos fundamentais", segundo a IL, que recordou a sua duvidosa gestão de um esquecido território de Macau. É preciso ter memória!...
Do PSD, o reconhecimento do valor do adversário - "inabalável construtor da democracia, que até ao fim dos seus dias serviu Portugal", embora... se tenha enganado muitas vezes. Houve um cheirinho a cravos na afirmação de que "recordar Mário Soares é celebrar Abril".
O PAN realçou o progressista e humanista com preocupações ambientais. Destaque para a similitude das bochechas de Mário Soares e de... Inês Sousa Real
Ao centro desta paleta de posições, a jogar em casa, o PS valorizou toda a acção de Soares, cuja vida política vale como um todo. "Para a avaliar, não podemos escolher o período que mais nos convém ou mais nos agrada, de acordo com a conjuntura do momento ou a posição que queremos defender".
Caminhando para a esquerda, começa a sobressair o Soares anti-fascista, podendo pesar alguns contras.
O Livre, mais positivo, valorizou o europeísmo do antigo Presidente, adivinhando o que seria a sua atitude inclusiva perante a imigração. Refrescante a valorização do direito ao descanso - não vivemos só para trabalhar -, lembrando o gosto de Soares pelas sestas.
O BE evocou algumas das suas contradições políticas, mas elogiou a posição de princípio relativamente à questão palestiniana e a defesa dos dois estados.
O PCP sobrelevou a ação política de Soares na luta contra o fascismo, reconhecendo as divergências "no caminho a seguir da revolução". Ressalvou a "relação de respeito mútuo" e não deixou de evocar a posição de apoio do PCP na 2.ª volta das presidenciais de 1986, a qual permitiu a eleição de Soares.
Falando de Mário Soares, os partidos falaram muito de si, de como se posicionam face à História e do momento em que se encontram.
Como disse José Soeiro, do BE, Soares "nunca pediu desculpa por ser político, e por viver intensamente a política". "Com Soares e contra Soares, é sempre uma forma de partir de Soares. E é porventura o modo elevado de reconhecimento que merece um político como Soares: cem anos depois de ter nascido, continuarmos a discutir com ele."
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