O casamento, realizado na Sé do Porto, selava a aliança entre Portugal e Inglaterra, consolidando o Tratado de Windsor, assinado no ano anterior (1386).
Entrada de D. João I no Porto, para celebrar o seu casamento (pormenor do painel de azulejo da autoria de Jorge Colaço, na estação de S. Bento - Porto) |
«E El Rei saiu daqueles paços em cima de um cavalo branco, em panos de ouro realmente vestido; e a rainha em outro tal, mui nobremente guarnida. Levavam nas cabeças coroas de ouro ricamente obradas de pedras de aljofar e de grande preço, não indo arredados um do outro, mas ambos a igual. Os moços de cavalos levavam as mais honradas pessoas que eram e todos de pé muito corregidos. E o arcebispo levava a Rainha da rédea. Diante iam pipas e trombetas e outros instrumentos que se não podiam ouvir. Donas filhas dalgo isso mesmo da cidade cantavam indo de trás, como é costuma de bodas. A gente era tanta que se não podiam reger nem ordenar pelo espaço que era pequeno dos paços à igreja e assim chegaram à porta da Sé, que era dali muito perto, onde dom Rodrigo, bispo da cidade, já estava festivalmente em pontifical revestido, Esperando com a cleresia. O qual os tomou pelas mãos, e demoveu a dizer aquelas palavras que a Santa Igreja manda que se digam em tal sacramento. Então disse a missa e pregação; e acabou seu ofício, tornaram El Rei e a Rainha aos paços donde partiram com semelhante festa, onde haviam de comer. As mesas estavam já guarnidas e todo o que lhe cumprira; não somente onde os noivos haviam de estar, mas aquelas onde era ordenado de comerem bispos e outras honradas pessoas de fidalgos e burgueses do lugar e donas e donzelas do paço e da cidade. E o mestre-sala da boda era Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal; servidores de toalha e copa e doutros ofícios eram grandes fidalgos e cavaleiros, onde houve assaz de iguarias de desvairadas maneiras de manjares. Enquanto o espaço de comer durou, faziam jogos à vista de todos, homens que o bem sabiam fazer, assim como trepar em cordas e tornos de mesas e salto real e outras coisas de sabor; as quais acabadas, alçaram-se todos e começaram a dançar, e as donas em seu bando cantando a redor com grande prazer.»
Fernão Lopes, Crónica d'El-Rei D. João I
A benção pelo bispo aconteceu a 2 de Fevereiro de 1387, mas o cerimonial fez-se só a 14 de Fevereiro. D. João I andava muito ocupado a cativar homens que pudessem ir ajudar o seu sogro (que se encontrava na Galiza) na guerra pelo trono de Castela.
A benção do bispo foi antecipada para aquela data, de forma a que acontecesse antes de se entrar no período da Quaresma. Caso contrário, só se poderiam casar bem mais tarde, o que podia atrasar a campanha militar.
Aliás, essa situação de guerra foi uma das razões para que o casamento tivesse lugar na cidade do Porto: era mais próxima da Galiza.
«(...) a cidade era tipicamente medieval — suja, não havia grandes cuidados com a higiene. Havia normas internas que diziam que era proibido deixar lixo na rua, mas muitas vezes não eram cumpridas. Era uma cidade medieval como tantas outras e os cheios eram nauseabundos. Mas, na altura do casamento, transformou-se por completo. As ruas foram lavadas com flores, flores de bom cheiro, fizeram-se jogos e justas. Tudo para que a cidade ficasse mais respirável, vamos dizer assim. Houve um grande cuidado por parte do Concelho do Porto. Segundo as crónicas e o registo das atas do Concelho, houve muita despesa por parte dos portuenses para poderem participar na festa.
(...)
Durante 15 dias, a cidade foi totalmente transformada. Trabalhou-se de noite e de dia para que, no dia 14, os reis e as pessoas se pudessem sentir bem. Afinal, estamos a falar de um rei que abriu uma nova dinastia.»
(Vítor Pinto, autor de Viagem aos bastidores do casamento de D. Filipa de Lencastre e D. João I, em entrevista ao Observador, em 25 de Abril de 2017)
A imagem animada foi retirada da mesma fonte.
Sem comentários:
Enviar um comentário