"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quinta-feira, 21 de março de 2019

J. S. Bach e Poesia

Juntar poesia à música de J. S. Bach, nascido (ao que parece) a 21 de Março.

I
Como se modulando neste espaço-tempo
que se desenha espaço em mero som contínuo
de um tempo trespassado,
a fina imarcescível
dor
é timbre e andamento,
e proporção de altura
a desdobrar-se na serena angústia
de um nada preenchido.

Intensamente.
Quietação.
Vácuo.
Tudo.

II
Canta o impossível.
Que voz humana
sustentaria
esta pressa alegre
ou a tensão suspensa
do lento sonho?

III
Madeiras, cordas, gestos, sopros, tudo
avança imóvel, sem parar, quieto,
a passo irresistível.
Não há que os contenha
senão o inaudível.

IV
Neste silêncio, que ficou, flutua?
O quê?
Nós?
Como tão pouco restaria?

Jorge de Sena, Concerto "Brandenburguês" n.º 1, em Fá maior, de J. S. Bach



Gravação dos idos de 1964, ano próximo ao da escrita do poema (1963).


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