Em plena primavera marcelista, depois do festival de Vilar de Mouros, o Cascais Jazz era o segundo grande evento musical que fugia ao enquadramento do regime do Estado Novo.
O programa do festival era representativo do jazz que se fazia na época: 4 grupos em cada noite – os mais modernos na noite de dia 20, os mais "tradicionais" na segunda noite.
O público era, essencialmente, constituído por jovens. O Cascais Jazz, no velho pavilhão do Dramático, seria não só a celebração de uma expressão musical, como um espaço de liberdade e de rebeldia, difíceis de viver à data.
A forte presença de público salvou financeiramente o festival, cujos principais patrocinadores retiraram o apoio quase em cima da hora. O entusiasmo superou a má acústica do pavilhão (que chegava a ter uma bancada atrás do palco) e os atrasos do programa.
A história mais conhecida deste festival, é a que envolve Charlie Haden, contrabaixista do quarteto de Ornette Coleman. Haden, que teria vindo tocar contrariado a Portugal, dedicou uma das composições do grupo – Song for Che – aos movimentos de libertação de Moçambique, Guiné e Angola.
Os espectadores aplaudiram e manifestaram-se ruidosamente, teria havido quem aproveitasse para espalhar panfletos contra a guerra colonial, e a polícia de choque, de prevenção no exterior, invadiu o recinto.
No final da noite, a PIDE aguardava Charlie Haden e Luís Vila-Boas, o mais conhecido dos organizadores.
Foram precisas várias horas de negociação para se conseguir autorização para a segunda noite do festival. Ficou a promessa que aquele seria o último festival de jazz de Cascais.
Charlie Haden, gozando da intervenção do adido cultural da embaixada americana, esteve poucas horas detido, sendo depois escoltado para o aeroporto da Portela. Só voltaria a Portugal depois do 25 de Abril de 1974. Dizem que Luís Vilas-Boas deixou de gostar de ouvir o seu nome!
Quando vejo o cartaz do 1.º Festival de Jazz de Cascais, penso no incrível programa: como se conseguiu, num primeiro ano, num país que vivia em ditadura, ter um conjunto de músicos daqueles?
20 e 21 de Novembro de 1971
Eu dormia tranquilo, frequentava o antigo 3.º ano de Liceu e não queria chumbar outra vez.
Ignorava o que se passava em Cascais, estava longe do jazz. Ouvia My Sweet Lord, já conhecia Procol Harum, Moody Blues, gostara do Submarino Amarelo... Em casa ouvia-se muita música no (na?) rádio.
Da guerra colonial já sabia e assustava-me...
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