"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

domingo, 14 de agosto de 2016

Estou hoje com saudades do Porto

«Alfacinha (e nascido na Rua da Saudade), tenho um fraco pelo Porto desde que, menino, acompanhei a família na primeira jornada ao Norte e à Galiza. Ainda hoje, ao cabo de exílios e tormentos, ao ouvir alta noite as sereias dos vapores que cruzam o Hudson, me assalta a inexplicável nostalgia do Porto.
A cidade robusta e alcantilada, áspera, de granito escurecido pelo tempo, com a Ribeira caótica na base, servindo de rodapé do velho burgo; as torres e muralhas, os mosteiros, o sol coado pela neblina, os seus nomes locais - Campanhã, Leça, Carreiros, Cedofeita, Cantareira, Cabedelo e tantos outros (...) tudo tenho gravado a nostalgia na retina da-i-alma. Até o sotaque dos naturais - Poârto! - me tem um eco ibero-linguístico!
Visitas posteriores me consolidaram nessas primeiras impressões. O Porto era em tudo diferente: o bastante para mo tornar querido. O que ele tinha de nórdico e pomposo (...) davam-lhe uma grandeza e respeitabilidade burguesa que nunca me soube inspirar a minha Lisboa das "gaiolas sem carácter, da caliça esboroada, da greda pegajosa e do intratável basalto: apesar do muito que lhe quero (polígamo!) e da sua luminosidade, tenho em mim o culto atávico dos pedreiros construtores de eternidades. E depois, barroca e pitoresca como Nápoles, Lisboa era do Sul, e o Porto era o Norte (...) Tudo nele me era a um tempo exótico e por isso, paradoxalmente, mais Português, mais Nação, mais Nós (...)»
José Rodrigues Miguéis

Dórdio Gomes - Barredo (1935)


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