"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Yellow Submarine

O meu pai levou-me a ver o filme num cinema que havia ao Arco do Cego.
Delirei com as figuras, as cores e as músicas.
Sou capaz de ter ido ainda em calções...



Apetece-me ser demagógico!

Fico feliz porque os professores são o único problema que pode afectar o Orçamento de Estado de 2019.
Não há mais problemas!







E já não falo das obras na IP3...

P.S. - Ah!... E eu sou professor no Burkina Faso!
(É verdade que tenho vários alunos da "Jamaica"!)


domingo, 22 de julho de 2018

Luz e sombra

«O Homem foge da sua sombra anterior para a sua luz futura.»

Casa de Pascoaes

Por abismos sem fim, vou caminhando...
E o mais profundo abismo é o alto céu.
E que vertigens sempre sinto, quando
Me inclino sobre a luz que amanheceu!

É um abismo a oração que vou rezando.
É um mar sem fundo a flor que renasceu...
Nas palavras que vou pronunciando,
Cada ideia é tão alta como o céu!

Sobre abismos, caminho dia a dia...
Das suas negras trevas se irradia
Uma outra escuridão ainda maior...

Que a mim me diz, nas horas em que cismo,
Que é um abismo junto d´outro abismo,
Meu coração ao pé do seu amor!...
Teixeira de Pascoaes

Foz do Douro




Edward Hopper

Edward Hopper 
(nasceu a 22 de Julho de 1882)











Rooms by the sea

«Talvez eu não seja muito humano. O que eu queria era pintar a luz do Sol na parede duma casa.»


sábado, 21 de julho de 2018

Ach. Brito centenária

Foi ontem que a Ach. Brito completou oficialmente 100 anos.

Achilles de Brito

Os irmãos Affonso e Achilles de Brito foram os fundadores da Ach. Brito & C.ª Lda, uma empresa de sabonetes e produtos de perfumaria, na cidade do Porto (Av. de França, à Boavista).

As actrizes nas latas dos sabonetes Musgo Real (a de Heidi Erich é de 1962)

Em 1925, a Ach Brito viria a adquirir a Claus & Schweder Sucessores, herdeira da primeira fábrica nacional de sabonetes e perfumes (1887), de que Aquiles tinha sido um dos sócios entre 1909 e 1916. Daí vem a associação da Ach. Brito à Claus.  


O sabonete Musgo Real é a minha memória primeira de um sabonete de marca.
A Elizabeth Taylor é outra memória...



quarta-feira, 18 de julho de 2018

Misterioso...

... inacreditável, incompreensível, inaceitável, inadmissível, insuportável, inconcebível, inimaginável, intolerável...


Público de hoje

Obscuro!


Nelson Mandela - 100 anos do seu nascimento



A música pela liberdade... 

Concerto The Nelson Mandela 70th Birthday Tribute, a 11 de Junho de 1988, no estádio de Wembley, pela libertação de Nelson Mandela.




No mesmo estádio, 16 de Abril de 1990, dois meses depois da libertação de Nelson Mandela, Nelson Mandela: An International Tribute for a Free South Africa.
Espectáculo organizado para comemorar a sua liberdade, mas também para intensificar a luta contra o apartheid na África do Sul.



João Semedo e António Arnaut

No espaço de dois meses, a morte levou estes dois resistentes à ditadura e defensores activos do Serviço Nacional de Saúde.


Fica-nos o exemplo das suas vidas.

«Tive a vida que escolhi, a vida que quis, não tenho nada de que me arrependa no que foi importante. Segui sempre a minha intuição, nunca me senti a fazer o que não queria. Sim, fui muito feliz, sou e acho que continuarei a ser.»
João Semedo

Fotografia roubada à minha amiga Almerinda


sábado, 14 de julho de 2018

Há coisas que não se compreendem...

... ou que se compreendem bem de mais!

DN de hoje

Público de 8 de Julho de 2018


Os jornais portugueses de hoje


«Os jornais portugueses, uns mais do que outros, deixaram há muito de querer “interessar a todas as classes”, deixando de fora das suas páginas uma parte maioritária dos portugueses, cujos problemas no trabalho, na escola, na casa, na vida quotidiana, de segurança, de violência e crime, não chegam aos jornais em contraponto com uma qualquer performance “artística” que ocupa duas páginas ou com as encomendas das agências de comunicação, cuja origem é ocultada aos leitores. Falta cobertura independente e isenta dos negócios, das empresas, em particular das grandes empresas e dos centros de poder fáctico, como os grandes escritórios de advocacia de negócios. Não é por acaso que todos têm agências de comunicação. A arte e a cultura, tantas vezes medíocre, mas urbana e trendy, tem uma cobertura particularmente acrítica, mas com lugar nobre. O que falta? Um exemplo: em plena luta dos professores, o que é que sabemos da condição de se ser professor hoje, numa escola comum, com alunos comuns, mas reais, os que existem, os que lá estão? Quase nada, muito pouco. Não é glamoroso, eu sei.»

José Pacheco Pereira, Público, 30 de Junho de 2018


Ingmar Bergman - 100 anos

Ingmar Bergman nasceu há 100 anos, em Uppsala, na Suécia.


«No centro de cada um dos seus filmes, é a própria noção de espectáculo e de representação que é incessantemente questionada, como loucura devoradora, ilusão irredutível, face a face com o desejo e a morte, última prova de verdade.»

Foi (é) um dos meus realizadores.
Do tempo em que eu ia ao cinema...


sexta-feira, 13 de julho de 2018

Bryan Ferry

Bryan Ferry veio actuar no NOS Alive.
Pensar que já o vi em 1982, com os Roxy Music...


Do que ouvi... já se devia ter reformado.
Enfim, aos 72 anos...


Sucessos (e insucessos) educativos

A propósito das “Estatísticas da Educação 2016/2017”, publicadas no princípio deste mês, o Ministério da Educação destacou a “evolução muito positiva das taxas de transição e conclusão dos alunos”. “Há uma redução do insucesso escolar de 19%, 13% e 15% nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos de escolaridade, respectivamente, e de 4% no ensino secundário, face ao ano lectivo anterior.”

Motivos? O ministério lembra o que fez, associando, de alguma forma, a sua política aos bons resultados.

«A partir de 2016, o actual Governo colocou em marcha um conjunto de medidas educativas inovadoras e ambiciosas, tais como o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o apoio tutorial específico ou o reforço da Acção Social Escolar, no sentido de permitir a todos os jovens as condições adequadas para uma escolaridade bem-sucedida, combatendo aliás um dos problemas estruturais que vinham sendo identificados em Portugal, em contraste com a grande maioria dos outros países europeus: as elevadas taxas de insucesso escolar.»

É que isto da educação é atar e pôr ao fumeiro - os resultados são imediatos!
Quanto à política de sucesso do Governo e às suas "medidas inovadoras e ambiciosas"... o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar parece que já foi... Um programa de sucesso e para o sucesso morreu ao fim de dois anos!
Que futuro para o sucesso? Medidas que não custem dinheiro.

Ontem, foram conhecidos os resultados dos exames do 12.º ano, 1.ª fase.
A comunicação social destacou, sobretudo, as descidas verificadas nos resultados de algumas disciplinas. Matemática foi referida pela negativa, embora abaixo tenha estado a História.
Por acaso, o número de disciplinas em que houve quebra nos resultados é igual ao das disciplinas que os melhoraram. E a percentagem de reprovações diminuiu.




Hoje, a notícia foi a quantidade de chumbos nas provas de Matemática do 9.º ano. Matemática, "eternamente"! Embora "chumbos nas provas" seja coisa que não existe - há negativas.
Em Português os resultados foram bem melhores - 87% de positivas, mas os títulos ignoram o que é melhor.

Dos piores resultados se dirá que a culpa foi do trabalho deficiente das escolas (dos professores, leiam-se muitos comentários nos jornais online).
Dos melhores, talvez se fale de facilitismo... ou das boas políticas.

Os sucessos e insucessos estão bem para as garrafas meio cheias e para as garrafas meio vazias.
Mas as análises muitas vezes ficam turvas.


quinta-feira, 12 de julho de 2018

A NATO e o IP3

Esperava que António Costa explicasse ao Trump que as obras no IP3 não permitem aumentar o contributo de Portugal para a OTAN.
Afinal...





Um momento de convívio entre a comunidade escolar

O título é da autoria do Presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas. O senhor referia-se a isto:




Parece-me é que estão todos doidos!


segunda-feira, 9 de julho de 2018

A perspectiva do rinoceronte




As intermitências da greve

Não é o descongelamento...


Já em Junho se sabia...


Mas outros valores se levantam (o futebol, sobretudo! Mundial, Sporting, Ronaldo... até uma equipa de miúdos na Tailândia!)...

Passado o tempo das promessas, haverá a amnésia de alguns...

Em Setembro estaremos no mesmo ponto...


quarta-feira, 4 de julho de 2018

Uma luz qualquer que ainda não sabemos explicar

«É a minha música preferida da Sétima Legião. Quando toco aqueles três acordes de abertura e oiço o "Tem mil anos uma história" passa-se qualquer coisa cá dentro, é um daqueles momentos em que uma pessoa sente que vale a pena ser músico. É difícil expressá-lo em palavras, mas se quisesse ser piroso e pedisse para me cantarem uma canção sobre a campa, seria qualquer coisa deste género.»
(Ricardo Camacho, 2000)


No Coliseu dos Recreios, 2012, pelos 30 anos da Sétima Legião.
Eu estava lá!...

«O Ricardo ficou maluco quando a Sétima Legião o convidou para tocar com eles. E ficou mais maluco ainda quando o convidaram para fazer parte da Sétima Legião. Ficou eufórico. E disse-me assim, que nunca mais me esqueci: "Já viste, Miguel? Quem é que não sonha pertencer à banda de sonho?»
«Foi a maior alegria da vida dele ter sido convidado para fazer parte da Sétima Legião, que nós adorávamos. Ele que tinha sido sempre um músico solitário, um compositor, passaria a fazer concertos com a sua banda preferida...»
(Miguel Esteves Cardoso)



«Era um músico fantástico, apesar de se ter dedicado mais à medicina (...) Era ligeiramente mais velho do que nós, já era médico quando a Sétima Legião começou. Durante esses dez anos, fazia bancos durante a noite e depois íamos para os concertos.»
(Rodrigo Leão)



Causa admiração ler agora, nos jornais, o seu currículo (que antes passava despercebido, por só o ligar à música - produtor, compositor, instrumentista):
Trabalhou na unidade pediátrica de transplantes de medula do Instituto Português de Oncologia,  dedicou-se à investigação da sida no hospital Egas Moniz (Lisboa), onde dirigiu o laboratório de virologia. Investigador do Centro de Malária e outras Doenças Tropicais, foi também professor na Escola Superior de Ciências da Saúde e na Faculdade de Ciências Médicas, ambas em Lisboa, e na Universidade Católica no Porto. 
Mais recentemente, trabalhou como investigador convidado no Rega Institute for Medical Research em Lovaina, na Bélgica.


«Uma espécie de caixinha de surpresas» (David Ferreira)


«Penso que uma boa canção é uma boa canção (...) tivemos uma sorte enorme em fazer algo que acabou por penetrar mais facilmente na memória das pessoas e perdurar. Mas, fundamentalmente, elas continuam a ser ouvidas porque são boas canções. É a minha opinião.»

São boas canções!!
Obrigado, Ricardo Camacho.


P.S. - Quando o PÚBLICO lhe perguntou em 2000 o que tinha ficado da viagem da Sétima Legião, Ricardo Camacho respondeu com a inquietude de espírito e um certo tom místico: “Uma luz qualquer que ainda não sabemos explicar. Uma promessa que não promete nada.”


domingo, 1 de julho de 2018

Outros futebóis...

Gauguin, Cézanne, Rodin, Degas, Renoir e Monet;
Daumier, Seurat, Toulouse-Lautrec, Manet e Delacroix.


Velazquez, Cervantes, Miró, García Lorca, Paco de Lucia e Goya;
Buñuel, Picasso, Salvador Dali, El Greco e Antoni Prazer (Placer?)


Da autoria de Gradimir Smudja, cartoonista e pintor sérvio, que reside actualmente em Itália.


sábado, 30 de junho de 2018

Maio de 68 - 50 anos (23)



«O Maio de 68 não é uma luta de morte para ninguém. É uma insurreição do verbo. (…) Os revolucionários de Maio estão dispostos a tudo menos à verdadeira revolução».
Laurent Joffrin, Maio de 68, uma história do movimento

O historiador britânico Tony Judt considera que as revoltas estudantis de Maio de 1968, em França, foram um "psicodrama" que entrou na mitologia popular "quase de imediato" como objecto de nostalgia.

«O fracasso de Maio de 68 é que hoje já não há mais utopias.»
Henri Weber  (ex-manifestante e ex-líder da Liga Comunista, depois senador e deputado europeu pelos socialistas)



«Quem os viveu [acontecimentos de Maio] fica sempre marcado por eles, independentemente da sua evolução.»
José Pacheco Pereira

«Eu fui testemunha e hoje parece-me um sonho. Foi o homem na sua pureza, na sua tensão máxima que se bateu contra a natureza naturata sob a forma social. Nunca fales de Maio como quem sabe o que foi, porque é difícil explicá-lo até a quem assistiu. Aqui te digo sem hesitação que foi o maior acontecimento do século XX e que as suas consequências se farão sentir ao longe no tempo. (...) o Maio de Paris é um momento da história da civilização; mais um momento em que a história é transcendida.»
António José Saraiva


Miró, Maio 1968


Maio de 68 - 50 anos (22)

Leituras e heranças...

«Mais do que um movimento global, 1968 foi feito de 68 tão diversos (...)»
Manuel Loff


«Nos dez anos seguintes passou-se de uma "esquerda generalista" a "esquerdas especializadas": feminista, homossexual, ecologista, regionalista, anticonsumista, etc.»
Pascal Ory (historiador)

«A partir da década de 70, como herança dos eventos de Maio de 68, houve o ápice dos movimentos feministas. Essas mobilizações mudaram radicalmente os direitos das mulheres.»



«Graças a Maio de 68, houve uma importante evolução do sistema universitário e pedagógico na França. Antes, nas universidades as aulas eram dadas em grandes anfiteatros e somente o professor tinha palavra, depois foram introduzidas as salas menores, onde os estudantes poderiam participar.»
Julie Pagis (socióloga)

«(...) a reivindicação fundadora do 68 estudantil — a democratização do acesso à e da gestão da universidade, o ataque ao autoritarismo escolar e à pedagogia elitista — teve um evidente sucesso nos 30 anos que se seguiram a 1968 (...)»
Manuel Loff


«O movimento não era contra a sociedade de consumo, mas a favor dela» e teria preparado terreno para o capitalismo. 
Luc Ferry (filósofo)

Nicolas Sarkozy criticou a herança de Maio de 68 por ter liquidado a escola do mérito e do respeito e ter estabelecido as bases do capitalismo sem escrúpulos e sem ética.



«A tese mais comum sobre 68 (...) é a da vitória cultural mas derrota política. (...) Definir 68 como o embate entre uma vanguarda política e culturalmente criativa e um conservadorismo político e societal partilhado à direita e à esquerda, por burgueses e operários, é uma leitura tão intrinsecamente burguesa e liberal que ninguém nos 68 se atreveria a assumi-la.»
Manuel Loff


Maio de 68 - 50 anos (21)

«Faltam-me outras palavras, porque não sei o que vai acontecer. Só pressinto, como um bicho, que a meteorologia está mudando. Ou que, algures, um afloramento de alma faz ondear a crosta da nossa civilização burguesa: é a única certeza que tenho.»
António José Saraiva, Maio e a crise da civilização burguesa


Leituras de Maio há muitas.
As heranças de Maio foram várias...
Os herdeiros de Maio foram por muitos caminhos...

«Como em tudo, a leitura do passado faz-se sempre a partir dos valores do presente, pelo que uma boa parte do que se celebra hoje de 68 (e do estudantil em particular) é constituído sobretudo por pontos de chegada de um processo que, mesmo que se tenha iniciado em 1968, dificilmente se pode dizer que tenha sido desejado há 50 anos.»
Manuel Loff


«Nós não podemos perceber o Maio de 68 e os seus desenvolvimentos se ignorarmos a Revolução Chinesa, e a leitura ocidental que ela teve, e se ignorarmos a Revolução Cubana e a independência argelina e as lutas do Terceiro Mundo. E tudo isso criou um caldo de cultura política que também se manifesta em relação à invasão da Checoslováquia, combatida em muitos países pela mesma geração do Maio de 68.»
José Pacheco Pereira

«Foi uma geração que gerou o movimento. E que se bifurcou depois, perdida entre os arautos da pós-modernidade, os compromissos do Estado e as carreiras.» 
Francisco Louçã




«Tenho uma visão mais festiva sobre a coisa. Foi uma festa linda, um grito, um sobressalto. Não havia um projecto político. Foi um movimento libertário. Teve a importância que teve porque coincidiu com uma adesão maciça da classe trabalhadora: sete milhões de operários em greve, com a ocupação das empresas (não foi como a maior parte das greves de agora que servem para ficar em casa a ver a novela). Daí a vivência que tive. Comecei a estar integrado em grupos móveis de artistas que iam aos sítios ocupados, cantar, declamar e fazer sketches, com a dupla função de entreter e dar força moral para que continuassem.»
José Mário Branco

«Começou a parecer a muita gente que havia experiências revolucionárias que não seguiam o modelo leninista tradicional e que poderiam ser mais eficazes e, acima de tudo, pareciam mais modernas. A linguagem não era a mesma; a forma de vestir, também não. Havia símbolos icónicos que mostravam bem isso, como aquela fotografia tirada pelo Korda ao Che Guevara. Se formos a ver aquilo a que chamamos o adquirido do Maio de 68, que em Portugal chegou muito mais tarde, traduz-se no dar importância a lutas que até ali não tinham tido relevância. Há uma nova visão da psiquiatria, há uma nova forma de ver o problema das prisões, há um renovar do movimento feminista, o aparecimento com mais força do movimento LGBT. Houve em França e nos EUA...» 
José Pacheco Pereira

«A morte de Guevara, as barricadas da Rue Gay-Lussac, a sublevação do Quartier Latin, o incêndio da Bolsa de Paris, o ataque à Convenção Democrata em Chicago, a fuga de De Gaulle para junto do exército francês na Alemanha, o atentado contra Dutschke, o assassinato de Bobby Kenedy, de Malcom X, de Martin Luther King, o mundo ardia. Movia-se uma nova constelação: Joan Baez, Bob Dylan, os rapazes de Liverpool já se tinham calado. We want the world and we want it now, cantava o profeta Jim Morrison.» 
Francisco Louçã


Maio de 68 - 50 anos (20)



«31 de Junho de 1968*
Sucesso do governo nas eleições, excedendo todas as expectativas. A oposição perdeu mais de metade dos seus deputados, o PC idem. É a derrota do Waldeck-Rochet. O PCF vai entrar em crise, a não ser que se deixe encarreirar mansamente para uma situação eleitoral parecida com a da SFIO. (...)

Os "revolucionários" é que são coerentes, pois, desde o início, recusaram o jogo eleitoral e fizeram valer o princípio das "minorias actuantes". Somente, o princípio da minoria só vale na medida em que ela suscita a adesão da maioria. A minoria não comanda, convence. De outro modo seria a ditadura, e portanto a repressão, e portanto o Estado, e portanto a burocracia que os revolucionários pretendem abolir. A maioria alcançada pelos gaullistas nas eleições mostra que a França não está pronta para a revolução.

E, no entanto, ao ouvir ontem o Humberto, todo lançado na "Université d'été", convenço-me de que a revolução vai recomeçar no Outono com a abertura das aulas, não posso duvidar de que a revolução está em marcha. As eleições ficaram na sombra.
São estas duas atitudes que é preciso confrontar e opor: a França que vota gaullista maciçamente - incluindo a banlieue de Paris, que sempre votou vermelho -, a França que confirma a rotina; e, por outro lado, a revolução que prossegue, na minoria, o seu andamento, igualmente seguro e inelutável.

(...) São precisos conceitos diferentes para entender uma e outra. Uma revolução só é possível quando, de salto, a massa entra em estado dinâmico. Foi o que, parece, esteve quase para acontecer em Maio. Foi o que aconteceu em Novembro de 1917 na Rússia. É só no momento em que o estado dinâmico se propaga à maioria da população activa que a estrutura pode mudar.»


António José Saraiva, Maio e a crise da civilização burguesa


* Exactamente assim... no livro. O lado revolucionário de Maio de 68 chegou até ao calendário!...


Maio de 68 - 50 anos (19)



«(...) houve as eleições com os resultados que sabes. Em resumo, o PC perdeu perto de 3/4 dos deputados e cerca de meio milhão de votantes. A Féderation perdeu mais de metade dos deputados. Os gaulistas ortodoxos têm a maioria absoluta. Seguem-se-lhe em número de deputados os giscardianos (que estão à direita dos gaullistas, e não ao centro como dizem), o PC, a Federação e os Centristas. Há um número considerável de gaulistas de esquerda.

Esperava-se a vitória dos gaulistas, mas o recuo do PC foi para mim uma surpresa. O mais curioso é que o PC perdeu uma parte do seu eleitorado nos seus bastiões tradicionais, como a chamada "ceinture rouge" de Paris. Houve muitos operários que votaram gaulista. Isto confirma que a classe operária está em grande parte integrada no sistema, fazendo bicha para a sua vez na chamada "sociedade de consumo". O operários que tiveram a iniciativa da greve foram uma minoria muito esclarecida, pertencente, na maior parte, à metalurgia. O operariado vota no PC institucionalmente, mas considera o PC como um elemento da ordem e não da revolução. Num momento em que a ordem parecia ameaçada, as classes médias e uma parte do operariado consideraram que como baluarte da ordem o De Gaulle era preferível ao ao Waldeck Rochet. E à luz destas considerações percebe-se muito bem porque é que o PC condenou tão ostensivamente os "revolucionários" e centrou a sua campanha eleitoral à volta do tema de que é um partido ordeiro e inimigo de aventuras, com o "sens de l'État".

Foi um duche escocês. Na 1.ª fase pareceu que toda a gente em França queria a revolução; na 2.ª fase que toda a gente queria o status quo. Na realidade a revolução foi obra de uma minoria actuante, que durante mais de um mês penalizou a maioria. Só as minorias fazem as revoluções.

Tenho várias ideias anotadas sobre todo este problema num diário que escrevi e que te hei-de mostrar.*
(...)
O que vai seguir-se? (...) O De Gaulle vai acabar mal, evidentemente, porque terá contra ele a Esquerda e a Direita. A não ser que, mais uma vez, a audácia o recompense. De qualquer forma uma viragem está em curso em França, e, através dela, em toda a Europa ocidental. O socialismo, ou qualquer coisa com outro nome e mais desalienante do que o que o dito nome contém existencialmente, virá, mas por vias bem diferentes daquelas que ensinam os clássicos e os doutores. Viva a imaginação!»
Carta de António José Saraiva
António José Saraiva e Óscar Lopes: Correspondência

* António José Saraiva, Maio e a Crise da Civilização Burguesa


sexta-feira, 29 de junho de 2018

José Manuel Tengarrinha

Morreu José Manuel Tengarrinha.
Nascido em Portimão, em Abril de 1932, foi um político, professor e historiador que se distinguiu no estudo do período liberal e da história da imprensa.

Opositor ao regime de Salazar, viria a estar ligado, já no período da Primavera Marcelista, à fundação da Comissão Democrática Eleitoral (CDE) para disputar as eleições de 1969. 
Detido várias vezes pela polícia política, estava na prisão de Caxias quando da revolução de 25 de Abril de 1974.

Um conjunto de opositores ao Estado Novo presos uma semana antes do 25 de Abril de 1974. 
Esta fotografia foi feita 40 anos depois da prisão. José Manuel Tengarrinha é o 3.º a contar da esquerda.
Entrevista pode ser vista aqui

Após o 25 de Abril, a CDE constituiu-se em partido - MDP/CDE -, tendo conseguido eleger 5 deputados à Assembleia Constituinte. José Manuel Tengarrinha foi um desses deputados, mais tarde também eleito para outras legislaturas.
Professor da Faculdade de Letras, época em que o conheci, dedicou-se mais à carreira académica. 
Voltaria à política recentemente, tendo aderido ao partido Livre.

Cartaz numa homenagem feita a José Manuel Tengarrinha, em 2012.