"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

11 de Setembro - 1973-2023 - 50 anos do golpe militar no Chile



O golpe militar que derrubou Salvador Allende, em 1973, vitimou milhares de pessoas e impôs o modelo precursor do neoliberalismo. 

«Fala como um dono de herdade.» É o que dizem os chilenos de todos aqueles que se expressam a partir da prepotência e da vaidade desavergonhada do poder. 

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A história do Chile foi escrita com a linguagem do dono da herdade. É uma história infame da infâmia, uma ininterrupta alteração das páginas mais negras, protagonizadas pelos capatazes dos donos de herdades: as forças armadas chilenas.

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Num Chile socialmente letárgico, com o terror instalado em cada casa, com as ruas interditas durante as horas do recolher obrigatório, foi fácil empreender a primeira grande experiência neoliberal, e foi também fácil declará-la bem sucedida. E a partir do êxito do «modelo chileno» associado por motivos propagandísticos à figura de Pinochet, a história infame da infâmia obtém uma das suas mais significativas conquistas: a linguagem de dono de herdade contagia sectores da democracia-cristã e do partido socialista que, a partir de 1986, começam a produzir um discurso opositor que se sintetiza da seguinte forma: «Justiça, sim, mas no modelo económico não se toca.»

A direita chilena, rude e obcecada, nunca teve a menor intenção de abandonar o poder garantido pela ditadura, nunca pensou em convocar eleições, em regressar a uma espécie de normalidade democrática, e foi a megalomania de Pinochet, a sensação de impunidade permanente que se instalou nas forças armadas, que a fez aceitar a ideia de um plebiscito que, dadas as características de uma sociedade dominada e domada pelo terror, supunha ganho desde o próprio instante da convocatória.

Mas (e esta é uma das grandes matérias que aguardam os futuros responsáveis por escrever a história verdadeira), apesar do terror e das decapitações, apesar dos desaparecimentos de pessoas, apesar da tortura e do exílio, houve milhares de chilenos que mantiveram viva a chama da resistência legítima, do dever de se oporem por todos os meios, incluindo o das armas, à tirania, e foram estas chilenas e chilenos, especialmente as milícias Rodriguistas, quem derrotou o tirano, que muito a contragosto reconheceu o seu fracasso.

(...)

A história infame da infâmia tem as suas garras cravadas no Chile, mas, e os meus filhos e os filhos dos meus filhos agradecer-me-ão por isto, as pessoas boas do Chile conservam a coragem que tornou possível dias melhores e a ira sagrada dos justos. E, tal como eles, eu também repito: NEM ESQUECIMENTO NEM PERDÃO.»

Luís Sepúlveda, O General e o Juiz (2003)




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