"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

5 de Outubro de 1910 - Começa a confusão

«Quarta-feira, 5 de Outubro de 1910

Paço de Mafra

À 1 h da madrugada foi el-rei deitar-se. Deitei-o eu. Emprestei-lhe eu uma camisa de noite. Veio só com o fato que trazia vestido (à paisana).
Nada de notícias, o que é péssimo. Com o auxílio do vento sul, ouvem-se distintamente muitos tiros de artilharia. Agoiro mal este dia.
Toda a força da Escola Prática de Infantaria está armada na arcada sul.
Na galeria à porta do quarto de el-rei no torreão sul estão os guardas da tapada armados e alguns populares.
Às 3 h a.m. vim a casa escrever estas notas e ver a pobre Sophia*, que não dorme sem saber o futuro.
Às 4 h chega do Porto o dedicado M. Martins da Rocha. Vamos logo para junto de el-rei, que dormia sossegado. Às 5 h 30 rompe o dia carrancudo adivinhando desgraça. Nada de notícias. Às 9 h a.m. chega a rainha D. Maria Pia com a marquesa de Unhão e o conde de Mesquitela. Às 10 h chegou a rainha D. Amélia com a condessa de Figueiró Maria de Meneses, Vasco Belmonte, criados, malas, etc.
Ao meio-dia, o telegrafista José Tomás comunica-me confidente que foi proclamada a República em Lisboa. Começa a confusão. Também está aqui o Kerausch**. Começa a ideia da fuga. Às 3 h p.m. chega o José Sabugosa, que veio da Ericeira a cavalo a toda a brida. Diz que está ali o Y. R. Amélia com o príncipe real D. Afonso. Partem todos em três automóveis para a Ericeira.»

Thomaz de Mello Breyner, Diário de Um Monárquico (1908-1910)


* Sophia de Carvalho Burnay, esposa de Thomaz de Mello Breyner, que se encontrava doente.

** Franz Kerausch, austríaco, foi o preceptor dos príncipes D.Luís e D.Manuel (futuros D. Luís I e D. Manuel II)

Foi no Y.R. (Yacht Real) Amelia, o quarto com o nome da rainha, que a 
família real fugiu para Gibraltar. Daí seguiram para Inglaterra, num navio inglês.


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