"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Obviamente, somos cada vez menos!

Ilustração de Rita Correia
Ciclicamente, mas em ciclos cada vez mais curtos, há a publicitação de dados estatísticos que suscitam ondas de notícias e artigos sobre a crise demográfica em Portugal.
Há poucos dias, o DN usava o título Hemorragia demográfica a propósito da diminuição da natalidade e do aumento da emigração. Dados do INE apontam para que cerca de 9 em 10 concelhos tenham perdido população em 2013. Esta perda é democrática: atinge todo o país, mas é mais dramática no interior.
Até o Governo, num intervalinho, já ouviu falar disso.

O primeiro-ministro apresentou, há poucos meses, como coordenador de uma equipa de trabalho sobre questões de natalidade, o professor Joaquim Azevedo.
Este professor disse o óbvio: classifica Portugal como um país insustentável se as tendências demográficas se mantiverem, defende "políticas amigas da natalidade" em matéria fiscal e reconhece que, a nível laboral, por diversas vezes as mulheres em idade fértil são "fortemente penalizadas nas empresas". Considerou que "Estamos diante de uma realidade que não tem à partida muita questão ideológica subjacente. É a realidade, são os factos, é isto que se está a passar."
Mas por que razão se está a passar?

O problema é que a questão é mesmo ideológica - a realidade é, em grande medida, filha da ideologia. A política fiscal não é neutra e a acção das empresas também não. Vivemos a ditadura do capital, da política da finança e do lucro imediato.
É em função da redução das despesas do Estado que o interior do país vê fecharem-se maternidades, centros de saúde, escolas, tribunais, postos de correio, etc. Mais decisões políticas penalizam o interior e contribuem para a sua desertificação. É em função da redução das despesas do Estado que muitos jovens (em idade fértil), não encontrando saídas, seguem o conselho do primeiro-ministro, deixam-se de pieguices e saem da sua zona de conforto, seguindo o caminho do estrangeiro. Uma verdadeira saída. Outros já não tão jovens seguem o mesmo caminho.

Bem podem aqueles que se dizem Governo mostrar palavrosas preocupações com a quebra demográfica e constituir grupos de trabalho para estudar o problema. Toda a sua acção é contrária a essas preocupações.
E todas as forças vivas do capital, aquelas que de facto nos governam, têm outros interesses.

Público de hoje
Situação denunciada pelo professor Joaquim Azevedo
A questão não é ideológica?


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