Foi notícia e já foi esquecido, levado pela espuma dos dias.
Elaborada em Fevereiro, editada em Diário da República a 25 de Março, badalada (então) pela comunicação social, que a agarrou só pelo dogma da elevada percentagem de retenções, eis a Recomendação n.º 2/2016 do Conselho Nacional de Educação.
O mote é este: a retenção escolar no ensino básico e secundário é elevada, porque há uma cultura de retenção que faz com que tal aconteça.
A perspectiva é a de que a reprovação dos alunos não traz, regra geral, benefícios para os alunos em causa, antes pelo contrário, é contraproducente e potencia mais insucesso e abandono escolar.
Pensando com base no que é a minha realidade diária no 2.º ciclo, numa escola dos subúrbios de Lisboa...
Os chumbos atraírem os chumbos é uma conclusão cuja linearidade é discutível.
Se, por vezes, é certo que não adianta os alunos ficarem retidos, também a sua transição não contribui automaticamente para a realização de novas aprendizagens no futuro. E não é o problema das dificuldades de aprendizagem.
Ou seja, não são as retenções que excluem boa parte dos alunos, eles já estão excluídos pela realidade familiar e social em que vivem. Caso contrário, não ficariam retidos. Porque não é tanto pelas dificuldades de aprendizagem que os alunos reprovam, é mais pela desintegração social e escolar e pela total falta de interesse pelas actividades escolares. Pelo não reconhecimento do papel da escola.
O mundo exterior à escola é muito mais apelativo para esses alunos do que o mundo escolar, demasiado formal, formatado e rígido, com uma linguagem que lhes é difícil entender, e que eles não querem entender - não querem fazer o mínimo esforço, só querem o fácil, o imediato, que não exija pensar.
O sistema acaba por ser tolerante para com os alunos que, embora com dificuldades, se esforçam. E a esses, até algumas notas bondosas na avaliação contínua evitam que os resultados de um exame (discutível) no 6.º ano os deixe retidos.
E a Recomendação associa directamente o aumento da taxa de retenção à realização de exames de 4.º e 6.º anos.
As dificuldades de aprendizagem trabalham-se nas escolas, a marginalidade e o desinteresse são bem mais difíceis de trabalhar e só numa parcela menor dependem da escola.
A intervenção precoce, específica e rápida, preconizada pela Recomendação, terá de ser a das políticas sociais, que não são responsabilidade da escola. É aí que está o pecado original.
A sociedade suburbana é, cada vez mais, uma sociedade de excluídos pelo actual modelo de desenvolvimento. Não queiram que a Escola endireite a sociedade.
Mas a Recomendação é um documento interessante por outras questões que a comunicação social deixou passar.
A verdade é que a Recomendação põe em causa muitos dos princípios da acção do Ministério da Educação, propondo que os mesmos sejam repensados, nomeadamente:
- as condições dadas às escolas para a construção de respostas contextualizadas que visem a criação de melhores condições de aprendizagem;
- as múltiplas solicitações de cariz burocrático-administrativo acometidas às escolas;
- a reorganização dos percursos escolares, nomeadamente nos primeiros ciclos;
- a adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objectivos das aprendizagens;
- as implicações dos resultados das provas finais no prosseguimento de estudos;
- a criação de condições de financiamento às escolas para o desenvolvimento de planos de formação de docentes;
- a excessiva importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa, no âmbito do processo de avaliação externa das escolas;
- a melhoria dos critérios de correcção de provas e exames nacionais;
- medidas nacionais de corresponsabilização das famílias pelo percurso escolar dos seus educandos.
Não ouvi/li qualquer comentário do MEC a isto.
Nem do P.S.!
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