"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O livro que desceu do céu

No passado dia 6, o livreiro que habitualmente vai à Paulo da Gama, já conhecedor de alguns dos meus gostos, disse-me que tinha, por um preço muito baixo, um romance sobre a origem do Corão e da religião islâmica.
Ele próprio já o lera e achara muito interessante. Fez um pequeno resumo do livro e, a propósito, falámos sobre os conflitos permanentes no Médio Oriente ao longo da História.
O preço era mesmo de saldo, porque o livro, editado em 2007, está longe de ter sido um sucesso de vendas.
Vista de olhos dada, um preço tão em conta, obra comprada.
No prefácio, o autor, professor universitário, nascido em Nápoles em 1961 e convertido ao islamismo em 1990, escreve:
«Há algum tempo que estava interessado em escrever uma história sobre a origem do Islão que tivesse a fluidez de um romance ocidental e os conteúdos da sabedoria oriental. (...) Espero que esta história proporcione horas agradáveis de leitura. Se, no fim, o Oriente e o Ocidente estiverem mais próximos e o desejo de conhecimento prevalecer (ainda que pouco) sobre a desconfiança e o medo, sentir-me-ei amplamente recompensado pelo esforço que fiz.» 
O romance reflecte a preocupação de destacar a existência de origens comuns e, portanto, de relações estreitas entre islamismo, judaísmo e cristianismo.

No dia seguinte deram-se os atentados de Paris e todos os acontecimentos conhecidos.
Não parece que o Oriente e o Ocidente estejam mais próximos, nem que prevaleça o desejo de conhecimento do outro. A desconfiança e o medo estão melhor instalados.
Não sei como se sentirá o autor.

Lembrei-me disto hoje, porque os acontecimentos me despertaram a curiosidade de ler o livro e, andando com o livro na mala, se tivesse proporcionado que, na aula de hoje com o 6.º D, eu lesse a passagem do prefácio acima transcrita quando o tema da aula passou a ser os acontecimentos em França.  
Por coincidência, estávamos em aula quando se iniciou a cadeia de acontecimentos de 4.ª feira passada.

Da conversa com os alunos, destaco a pergunta de um deles: "Porque temos medo?" e a indignação revelada por outro (também mais informado) a propósito da utilização de crianças nos atentados bombistas na Nigéria.
Na contracapa do livro afirma-se: «É que, com a ajuda do conhecimento, é possível construir uma ponte entre o Oriente e o Ocidente e encontrar a estrada da tolerância e da paz.»
Alguns jovens, como os que participaram na discussão de hoje, ainda me fazem acreditar que sim.

«E se todas as árvores da Terra fossem uma pena e o mar a tinta, e ainda que o ampliassem sete mares, as palavras de Deus não se esgotariam. Deus é poderoso e sábio.» (XXXI, 27)


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