"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 8 de março de 2011

Os Cantos

Os Cantos – A Tragédia de uma Família Açoriana é uma segunda incursão açoriana de Maria Filomena Mónica, depois da coordenação de Os Dabney – Uma Família Americana nos Açores, uma antologia organizada a partir dos Anais da família Dabney nos Açores (Tinta da China, 2009).

Sob a forma de biografia (pouco) romanceada, MFM centra-se na figura patriarcal de José do Canto, importante elemento da burguesia micaelense do século XIX (1820 - 1898).
Homem empreendor, extraordinariamente empenhado no desenvolvimento do seu país (e país, sem intuitos separatistas, é conceito que aplica aos Açores e, inclusive, exclusivamente à sua ilha – S. Miguel), José do Canto, filho segundo do morgado José Caetano do Canto e Medeiros, um pouco por “desistência” do seu irmão mais velho, André do Canto, vai-se tornar o herdeiro e centro da família, triplicando a fortuna durante a sua vida. Num acaso sentimentalmente feliz, o afastamento do irmão deixa-lhe inclusive o caminho aberto ao casamento com a mulher por quem desde cedo se apaixonara e que inicialmente estaria destinada a casar com André.
O livro, contextualizado por diversos estudos sobre a história dos Açores, é escrito com base na vasta correspondência trocada entre os elementos da família, sobretudo o próprio José do Canto, hábito desenvolvido como forma de cultura social e como necessidade, face às viagens e/ou ausências da ilha entre os Açores, Paris e Londres. Grande parte do seu conteúdo acaba por ser dedicado à tarefa da educação dos filhos homens, à boa velha maneira, no sentido de tornar o filho mais velho seu seguidor, perpetuando os seus interesses e as suas obras. Esse era um objectivo de vida, não concretizado.
Esse seu desejo, delineado com rigor, sairá completamente frustrado. A sua força e persistência serão insuficientes para arrastar António para o caminho traçado de acordo com os ideais de progresso à europeia. Não será a educação em Paris e, depois, na Alemanha, com sacrifícios pessoais e familiares – são anos vividos fora, que afastam a família e que afastam José do Canto da ilha que amava – que contribuirá para a concretização das suas expectativas. A relação difícil com o filho mais velho, o afastamento deste, inclusive físico, agravado com a doença do filho mais novo, aumentam a carga dramática da vida de José do Canto, sobretudo no caminho para o fim da vida.

«Nunca se recupera de uma infância feliz.»
Já não me recordo se são palavras de José do Canto ou de MFM a propósito de José do Canto.
«É verdade que sabia existir uma separação entre o sonho e a realidade, mas tal não significa que o tivesse interiorizado. (...) O que o salvou foi ter compreendido a tempo que, a não ser em momentos efémeros, os homens não estão destinados à felicidade.»


Pena que os recursos dos nosssos meios televisivos sejam limitados e que Maria Filomena Mónica, por essa razão, mesmo com o apoio do Script Fund (um programa europeu de apoio a séries televisivas), não tenha conseguido concretizar a ideia de uma série como tinha idealizado já no início década de 1990 e para o que chegou a trabalhar.

A José do Canto é natural que volte aqui, pelos Açores e porque ele está ligado à produção de ananases em estufa (foi ele o pioneiro), ao início da produção do único chá europeu – o chá dos Açores, na costa Norte de S. Miguel e a outros aspectos da vida económica e da própria paisagem de S. Miguel.
A sua curiosidade sobre as espécies vegetais levaram-no a criar o primeiro jardim botânica particular - o jardim José do Canto.

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