"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 28 de maio de 2024

O 28 de Maio de 1926, o General Gomes da Costa e a geringonça


Manuel de Oliveira Gomes da Costa, o general que aceitou arrancar com o movimento militar que eclodiu em Braga, em 28 de Maio de 1926, e que pôs fim à 1.ª República. 

O movimento militar não tinha um projecto político definido, constituindo "uma amálgama heterogénea de interesses e doutrinas contraditórios" que tornou instável a Ditadura Militar que se instalou em Portugal.

Gomes da Costa viria a assumir a chefia do Governo a 17 de Junho de 1926. "(...) demasiadamente impulsivo para seguir qualquer linha de coerência programática" (Adelino Maltez), foi vítima do golpe dos generais Carmona e Sinel de Cordes, tendo ficado preso no Palácio de Belém (8 de Julho). Foi transferido para Caxias e Cascais e, no dia 11, foi desterrado para Angra do Heroísmo, deixando de ter qualquer protagonismo militar e político.
Dele dizia Raúl Brandão que "tem cabeça de galinha e é sempre da opinião da última pessoa com quem fala". 

José Rodrigues Miguéis, no romance O Milagre segundo Salomé, retrata bem o ambiente que se vivia no período de crise da 1.ª República e de transição para o regime ditatorial - "Trata-se da figuração simbólica de uma época, ambiente e estado de espírito colectivo, sob a forma de romance convencional" -, desenhando em vários capítulos um retrato de Gomes da Costa - o "General ABC": 
«A Nação, inerte ou entregue a si mesma, quer sonhar perfeito o Herói para o venerar melhor na paz da inconsciência. Ele fará tudo por nós, durmamos pois! Esperamos sempre que um ente superior, sobrenatural, eterno Desejado, faça por nós aquilo que somos incapazes de, ou não estamos dispostos a fazer. (...) Nos momentos de crise (e quais o não são!) fala-se dele como do Homem-capaz-de-meter-isto-nos-eixos. Os partidos disputam-no, fazem-lhe namoro, mas ele, oh!, é apenas (textual) "um soldado que cem vezes arriscou a vida pela Pátria", e com franqueza a Pátria começa a estar enjoada de politicagem.»

É neste romance, "terminado provisoriamente" nos anos de 1950, mas só publicado em 1975, que é utilizada, a propósito do contexto político, não sei se pela primeira vez, a expressão "geringonça".
«Eu não perdi a fé na República como ideia-força, mas se ela se não salva por si, alguém terá de a vir salvar. Quanto a mim, o problema é essencialmente económico, mas tudo depende da fórmula política. Se não for dentro da geringonça parlamentar, há que ir buscá-la fora dela.»

Nem Paulo Portas, nem Vasco Pulido Valente - José Rodrigues Miguéis!


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